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jeudi 1 novembre 2018

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO SÓCIO-RELIGIOSO HAITIANO: HÁ CONFLITO E VIOLÊNCIA OU NÃO HÁ?

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO SÓCIO-RELIGIOSO HAITIANO: HÁ CONFLITO E VIOLÊNCIA OU NÃO HÁ?

RESUMO

Acredita-se que a sociedade haitiana, diferentemente das outras sociedades muito religiosamente conservadoras, não tem a tradição de conflito religioso e mesmo violência religiosa. Esta ideia recebida é verdade? Com efeito, a coabitação de três religiões dominantes, neste caso, catolicismo, protestantismo e vodu, no mesmo espaço social não pode ocorrer sem conflito e violência de uma contra outra. Quando uma busca dominar a outra, isso também não é possível sem violência. Pluralismo religioso, liberdade religiosa, liberdade de exercer seu culto sem temer nada são temas muito problemáticos no Haiti. Este artigo, partindo dos autores como Hurbon e Métraux, pretende mostrar que, mesmo se não fossem tão desastrosos como alhures, sempre houve conflito e violência entre religiões no Haiti.

Palavras-chave: Haiti. Catolicismo. Protestantismo. Vodu. Conflito. Violência.

ABSTRACT

It is believed that Haitian society, unlike other very religiously conservative societies, does not have the tradition of religious conflict even religious violence. Is this received idea true? In fact, the cohabitation of three dominant religions, in this case, Catholicism, Protestantism and Voodoo, in the same social space can not take place without conflict and violence against one another. When one search dominates the other, this is also not possible without violence. Religious pluralism, religious freedom, freedom to worship without fearing anything are very problematic issues in Haiti. This article, starting with the authors like Hurbon and Métraux, intends to show that, even if they were not as disastrous as elsewhere, there was always conflict and violence between religions in Haiti.

Keywords: Haiti. Catholicism. Protestantism. Voodoo. Conflict. Violence.


INTRODUÇÃO

Apesar do decrescimento que sofreu nos últimos 30 anos, o catolicismo permanece ainda hoje a religião predominante no Haiti onde, segundo as últimas estimações de IHSI (2015), 55 % dos indivíduos se declaram praticantes desta religião. O protestantismo – uma religião em rápida ascensão – reagrupa as confissões como Batista, Metodista, Adventista, Pentecostal e Igreja Episcopal representando 28 % dos crentes. Os sem religião não ultrapassam 10 % enquanto o vodu ganha em total só 2,1 % de declarantes. As outras confissões religiosas como Franco-Maçonaria, Testemunhos de Jeová, Islão e Mórmon representariam em total ao menos 3 %.  Todavia, embora oficiais precisamos tomar essas estatísticas com cuidado por causa das relações confusas em termos de ritos que existem entre Franco-Maçonaria, vodu e catolicismo. Assim, cada uma dessas três religiões principais que fazem parte do sistema religioso haitiano tem sua caracterização social peculiar que precisa ser, sucintamente, entendida não na ideia de fazer uma historicização completa delas, mas no objetivo de apresentar ao leitor um conhecimento básico sobre a constituição do meio sócio-religioso haitiano.

1.1. O catolicismo

A religião católica tem uma longa tradição histórica no Haiti. Infelizmente, ela começou com a colonização espanhola em 1492 e tem, nas suas raízes sócio-históricas, a característica de uma religião escravizadora, violenta e intolerante transportada de uma civilização a outra por um sistema de dominação. O Código Negro publicado pela França em 1685 proibiu todo outro culto que não seja católico e fiz do clérigo católico a principal administradora do pretendido processo de humanização e de civilização dos escravos, tal processo deveria passar, inevitavelmente, pelo catolicismo erigido como religião da colônia francesa de Santo Domingo. E, mesmo se tivesse um conflito entre o clérigo e os proprietários dos escravos por causa do ensino religioso e das práticas religiosas, na colônia francesa de Santo Domingo, a igreja católica tinha a prerrogativa cultural de educar, batizar e converter os escravos oriundos da África a fim de que estes se tornem muito gentis aceitando a escravidão como uma generosidade de Deus e o catolicismo como uma marca civilizadora. Portanto, as relações entre a administração colonial e a igreja católica não eram sempre harmoniosas, ocorreram alguns conflitos porque para os proprietários dos escravos a evangelização, o ensino religioso, os batismos, as predicações, tudo isso despertou na mente do escravo um sentimento de liberdade que poderia levar à rebelião, tal sentimento é muito perigoso pela sobrevivência da colônia (PRESSOIR, 1945, p. 13-14). É por isso que:

Peu de planteurs admettaient des religieux sur leurs terres: les uns par crainte de voir leur cruauté et leurs moeurs dissolues dénoncées du haut de la chaire, les autres par une méfiance plus ou moins consciente de l´esprit révolutionnaire contenu dans les principes évangéliques (MÉTRAUX, 1958, p. 27).

A implantação do catolicismo no Haiti colonial coincide fortemente com a formação da igreja católica como potencial apoiadora da escravidão sem negar, no entanto, que alguns padres católicos eram contra a escravidão em si e sustentaram os escravos nas suas lutas pela liberdade. Desta maneira, a revolução haitiana não é a obra unilateral e exclusiva do vodu no plano religioso, mas também a do cristianismo e do catolicismo (HURBON, 2004, p. 105-110). Se a administração colonial constituiu o motor que fez virar a maquina política e econômica da colônia, o clérigo católico era responsável pela educação religiosa e cultural dos escravos. Esta educação era por assim dizer uma domesticação mental e uma coisificação dos escravos. Dito de outra maneira, enquanto a instituição colonial se preocupa da parte física do escravo, a igreja católica cuidava da parte espiritual, psicológica e mental. Se, além disso, a administração colonial havia por papel a gerência das coisas materiais da colônia, a igreja católica das coisas imateriais, a saber, o espírito e a alma do escravo pelo catecismo. Enfim, podemos concluir que a igreja católica e a administração colonial se entenderam para compartilhar entre elas o escravo como objeto, o poder político, desde então, a igreja católica nunca parou de influenciar as decisões políticas no Haiti.

É um assunto muito complexo que não pode ser abordado aqui por razões metodológicas. Entretanto, é importante entender que o caráter a-político da religião católica está sempre na teoria porque na prática ela tem sempre um controle sobre o aparato do Estado orientando sua política interna e externa. A história do Haiti nos ensina que a igreja católica exerceu uma pressão de ferro sobre o Estado haitiano para que o catolicismo permaneça durante senta anos a religião oficial e ele combate o vodu como culto demoníaco nideia de que o país seja civilizado e apto a entrar na modernidade ocidental. Esta pressão se cumpre no âmbito da adoção, em 28 de março de 1860, de uma concordata que, ao definir as relações político-religiosas entre Igreja católica e Estado haitiano, tem consagrado à religião católica um poder quase plenipotenciário muito criticado. Segundo Micial Nérestant (1994), uma concordata é um instrumento jurídico concluído, assinado e ratificado entre o Saint-Siège e um Estado soberano e que trata particularmente das questões religiosas. Ela é do mesmo valor que um tratado comum, só que nela o Saint-Siège age como uma instituição espiritual e atemporal que trata com um Estado físico-soberano e temporal. Portanto, a concordata é um tratado de natureza político-religiosa no qual as duas partes se concordam sobre seus direitos e deveres em matéria religiosa. Existem, assim, três eventos maiores na sociedade haitiana de lembrança das relações político-religiosas entre o Estado haitiano e a igreja católica: a assinatura da concordata de 1860 e as duas campanhas anti-supersticiosas contra o vodu em 1898 e 1942.

A concordata era só uma espécie de formalidade da igreja católica para tornar oficiais as relações entre Vaticano e o Estado haitianosenão desde a colonização a igreja católica já tinha na mão o monopólio de educação, cultura, religião e beneficiou de muitas vantagens econômicas. Este monopólio nunca foi alterado, embora tenha sofrido algumas modificações. Além disso, o desenvolvimento das ajudas humanitárias e dos programas sociais torna a igreja católica uma instituição cada vez mais importante que se aproxima mais das camadas sociais esquecidas ou abandonadas pelas políticas públicas do Estado. Com efeito, até o fim dos anos noventa as ações sociais e caritativas da igreja católica se direcionaram às populações desfavorecidas das zonas rurais onde as missões católicas – mais tarde as missões protestantes – têm um acesso mais fácil do que o próprio Estado haitiano. É por isso que, apesar do poder totalitarista de Duvalier, da ferocidade e crueldade do seu regime, era difícil mexer no super controle da igreja católica sobre a educação, a cultura e a religiãoComo bom observador das realidades sociopolíticas, ele sabia que precisava da igreja católica para satisfazer alguns desejos da população, particularmente, em matéria de educação, de registro do nascimento, de saúde etc., sobretudo nas comunidades rurais inalcançáveis para o Estado haitiano. O que faz com que, além das suas implicações frequentes nas questões políticas do país, a igreja católica é uma instituição muito socialmente engajada nas comunidades mais vulneráveis. Isso significa que a igreja católica é um ator muito importante com o qual o regime tem que compor na medida em que ela lhe ajuda a cumprir os papéis que ele mesmo é incapaz de fazer. A fraqueza do Estado haitiano engendrada pela corrupção e pelas rivalidades políticas internas constituiu compensa e aumenta a força e os privilégios da igreja católica. Assim, sem esquecer alguns centros de saúde, as melhores escolares de ensino primário e secundário, centros de alto nível de formação universitária e profissional do país pertencem à igreja católica.

No entanto, algumas modificações ocorreram na religião católica quando, primeiro, o regime duvalierista decidiu usar o catolicismo como arma política, segundo, quando o protestantismo chegou ao Haiti e começou a fazer concorrência com o catolicismo espalhando-se rapidamente nos meios sociais onde o catolicismo já se implantou há muito tempo. Mesmo se não vamos entrar no debate das rivalidades entre protestantes e católicos nem fazer uma sociologia do protestantismo e do catolicismo no Haiti, é importante sublinhar duas particularidades que os diferenciam: uma linguagem de massa e a rápida adaptação do protestantismo às realidades sociais existentes. Embora presente nas zonas populares, a igreja católica nunca conseguiu apagar nas mentalidades a ideia de que o catolicismo é uma religião elitista, burguesa e de classe que, dificilmente, fala as linguagens dos pobres e se coloca ao seu nível educacional e social básico para compreender seus problemas e lhes fazer esquecer seus sofrimentos quotidianos. Em outras palavras, apesar da sua antiguidade, o catolicismo tinha uma enorme dificuldade de trabalhar a integração social dos indivíduos e lhes trazer uma mensagem de esperança. Foi exatamente o que fez o protestantismose a linguagem da religião católica era como metafísica para as massas analfabetas, os protestantes utilizam um linguagem populista muito acessível, compreensível e correspondente ao que elas desejavam. 

A igreja católica nunca escondeu sua hostilidade e intolerância aos cultos vodus. Perseguido e violentado pelos católicos e por uma parte importante da classe política haitiana, o vodu é visto por ela como o fundamento dos problemas de civilização e de modernização da sociedade haitiana e um obstáculo à entrada do Haiti no conselho das nações. Em 1860, sob a base da Concordata, uma série de perseguições começou e as violências contra o vodu eram tão severas como era possível falar de uma guerra de religião, só que as ataques não foram recíprocas. Hurbon que escreveu sobre este problema falou da era de grande cumplicidade entre a Igreja católica e o Estado haitiano contra o vodu (HURBON, 2004, p. 135-158). De acordo com o autor, as violências simbólicas e culturais do catolicismo contra o vodu passaram por diferentes etapas.

Il y a eu, rappelons-le, au moins trois grandes vagues de lutte entreprise par l´Église contre le vaudou: Dans le nord du pays en 1896, une grande croisade pour dénoncer les vaudouisants est organisée dans toutes les paroisses avec l´appui d´une lettre circulaire du président de la République; plus tard, pendant l´occupation américaine vers les années 1920, le clergé composé d´une majorité écrasante de prêtres français, venus de Brétagne, prêtait main forte aux soldats amériains pour sortir le pays de la barbarie que représentait le vaudou; enfin, en 1941, sous la triomphante appelation de «campagne antisuperstitieuse», l´Église pouvait, avec l´aide directe du gouvernement et de la gendamerie, détruire les objets cultuels, arrêter les serviteurs des dieux et exiger d´eux un serment dit des «rejetés», par lequel ils juraient de ne plus participer aux oeuvres du diable que sont les pratiques du vaudou (Idem, p. 244).

Durante o regime de Papa Doc, a situação mudou, mas não no sentido da tolerância inter-religiosa, da aceitação e do respeito do pluralismo religioso, do reconhecimento oficial do culto vodu, da igualdade entre as religiões, mas no sentido denfraquecimento do catolicismo e da perda na sociedade do seu hegemonismo religioso. Teoricamente, a chegada de Duvalier ao poder diminuiu as perseguições e violências contra o vodu, pois ele mesmo era, antes de chegar à presidência, um dos defensores do vodu como parte integrante da nossa haitianidade. No passado, sua posição em favor do vodu desagradava muito a hierarquia da igreja católica. Maso objetivo de Duvalier era fazer do vodu um instrumento supersticioso, colocar na mentalidade popular o medo do personagem místico e maléfico que ele encarnava e forçar a aliar-se a sua causa a igreja católica integrando no clérigo nacional padres total e cegamente submetidos às políticas do regime. A este respeito Hurbon disse o seguinte: 

En orientant son action, dit Hurbon, auprès de l´Église autour du problème de l´indigénisation du clergé et de l´épiscopat, Duvalier ne prétendait par diminuer les pouvoirs et les privilèges de l´Église, il voulait même les renforcer, et l´essentiel demeurait dans la soumission totale de l´Église à ses desseins politiques (Idem, p. 226).

Assim, gostaríamos de concluir dizendo que este estado de dominação não ia permanecer muito tempo na medida em que as primeiras ideias de oposição se circulavam nas imprensas católicas e os movimentos contra o regime emergiram dentro da igreja católica. Por medida de precaução e de prudência, ela jogava a carta de conformismo sem uma real desorganização e desestruturação das suas bases ou ainda da politização da alta hierarquia eclesiástica.

1.2. A chegada do protestantismo ao Haiti

Como o catolicismo, o protestantismo é igualmente uma religião implantada na sociedade haitiana no século XIX e, como toda outra religião, ele foi também proibido pelo Código Negro nas todas as colônias francesas, tal códiginterdisse também toda forma de manifestação religiosa na colônia e os escravos africanos não tinham direito de se reunir qualquer seja a razão nem de praticar sua própria religião de origem, o Islão. Entre as diferentes religiões afro-europeias que chegaram ao país neste período, o protestantismo haitiano, em particular, tem uma história fascinante que começou quando, em 1817, 14 anos após a conquista da independência, o presidente do sul e oeste do Haiti, Alexandre Pétion, aceitou receber uma missão metodista.

Cet accueil chaleureux et les contacts subséquents, nous dit Laënnec Hurbon, déterminent l´attente de Pétion qui espère que les missionnaires protestants pourront desservir, non à des fins sectaires mais par humanisme, les besoins pressants de la nouvelle République dans le domaine de l´éducation. Les missionnaires fondent une école influencée par la méthode Lancastérienne. Ils visitent la population des principaux centres du sud de la péninsule et suscitent un grand intérêt. Ils prêchent et catéchisent en français et en créole devant des foules, atteignant parfois des centaines de personnes, dans les montagnes surplombant Port-au-Prince. Leur message est sévère: on doit abandonner fétiches, amulettes, sortilèges et droit coutumier; «la fornication et l´adultère», ainsi que le travail le dimanche sont dorénavant condamnés. On incite le peuple à changer radicalement sa façon de vivre (HURBON, op. Cit, 2000, p. 96)

Esta citação do sociólogo haitiano apresenta uma ideia suficientemente geral da maneira de que, historicamente, o protestantismo se implantou no Haiti para entender a natureza da sua mensagem e identificar o setor de atividade social no qual ele pretendia investirSua mensagem evangélica já mostrou que, realmente, era um movimento religioso que chegou ao país com muita determinação, energia, perspicácia e estratégia para radicalizar a vida religiosa preconizando uma espécie de metamorfose social total daqueles que são vistos como pecadores. Esta radicalização da vida religiosa vem dos conflitos doutrinais relativos principalmente à autoridade do papa e ao purgatório que, durante a reforma na Europa no século XVI, opuseram católicos e ortodoxos. Ela visava principalmente os adeptos do vodu. Os primeiros missionários protestantes que chegaram ao Haiti eram os Metodistas Britânicos e em seguida vêm os protestantes americanos cuja maioria era imigrante em fuga da segregação racial e da escravidão no sul dos Estados Unidos.

Até a ocupação norte-americana, em 1915, só existiam no Haiti alguns 3 000 protestantes (HURBON, 2000, p. 95). Comparando seus primeiros passos com o avanço do catolicismo no país, podemos considerar que o desenvolvimento do protestantismo haitiano de raízes britânica e americana foi um pouco lento. Esta lentidão não dizia respeito só ao protestantismo haitiano, os avanços de algumas igrejas protestantes americanas como Protestant Episcopal Church foram também afetados. Contudo, após ter superado as dificuldades sociais, culturais, políticas e econômicas, ele começou a se tornar uma religião muito importante na sociedade haitiana e sua expansão nos anos sessenta sob diversas vertentes foi espetacular. O protestantismo em si tem muitas fontes. Da versão alemã – seu berço – até às igrejas reformadas da América passando pelas igrejas reformadas da França e da África, a versão protestante que chegou ao Haiti sofreu algumas alterações (PRESSOIR, 2016, tome 1, p. 38-52). E, apesar da influência do protestantismo francês no plano intelectual e cultural, o protestantismo haitiano se encontra, em geral, marcado pelas fontes inglesas e americanas (Idem, p. 53).

A lentidão do desenvolvimento do protestantismo desde sua aparição até o início do século XX pode ser explicada pelo contexto social e político da época muito agitado pela sucessão de governos ilegítimos e de regimes ditatoriais, pelos golpes militares frequentes, pelas barreiras políticas e pelos conflitos com a igreja católica (HURBON, 2000, p. 97-99). Mas, se o protestantismo e o catolicismo se opuseram do ponto de vista doutrinal e teológico, ambos eram juntamente unidos para combater o vodu. Pois, vimos claramente na citação em cima que, sem nomear explicitamente o vodu, mas alguns elementos a serem achados só no vodu como amuletos e feitiços, as campanhas evangélicas do protestantismo já eram uma ataque implícita e indireta ao vodu, talvez, ele venha para continuar, completar ou acompanhar a missão da religião católica na caça do vodu. Ora, após muitos fracassos, a igreja católica tem abandonado este trabalho e se consagrou a outras tarefas mais intelectuais e científicas. “Depuis le Concile Vatican II, dit Clérismé, cependant il y eut un changement d´attitude, l´Église catholique se montre plus compréhensive, plus tolérante et même cherche à comprendre le Vodou de l´intérieur (CLÉRISMÉ In HURBON, 2000, p. 223)”. Mas, hoje, o protestantismo, em maioria das suas vertentesse mostra mais radical contra o vodu do que a própria igreja católica.

Segundo algumas estimações (não verificadas), os protestantes cresceram muito e representariam hoje 60 % da população haitiana, o que seria, por conseguinte, uma superação do catolicismo pelo protestantismo após vários anos de hegemonia religiosa. É perigoso acreditar neste percentual – embora o protestantismo tenha conhecido um crescimento exponencial nos anos oitenta e, com certeza, as igrejas protestantes sejam quantitativamente maiores que as igrejas católicas – porque inspirado do fanatismo religioso ele não se enquadra nas estatísticas oficiais. Este problema de estatística fiável é devido tanto a uma desordem total na organização estrutural do setor religioso como a uma falta de controle institucional pelo governo do funcionamento dos cultos religiosos no território nacional. Portanto, como não há um controle sistemático da criação, da mudança de nome, da geolocalização e da deslocalização das igrejas, então, elas estão crescendo de qualquer maneira como flores selvagens. O ministério dos cultos que deveria cumprir este papel parece estar ultrapassado por este fenômeno social de pululação das igrejas. Isto engendra um déficit de confiança e de credibilidade para o protestantismo haitiano, cuja principal reclamação desde início é um tratamento igual à igreja católica.

As estatísticas do IHSI segundo as quais 28 % da população haitiana é protestante nós parecem mais confiáveis e razoáveis porque se trata da única instituição nacional especializada neste assunto e capaz de realizar um trabalho de inquéritos mais sério a este respeito. Ela mesma enfatiza que a expansão muito rápida do protestantismo desde 1980 houve por consequência a regressão do catolicismo na sociedade. Com efeito, a progressão do protestantismo foi caracterizado pelas estratégias dinâmicas de evangelização e de proselitismopelo surgimento de novos movimentos religiosos dentro do próprio protestantismo que, ao redor do mundo, é sempre visto como uma religião rebelde às doutrinas do cristianismo. Paradoxalmente, crescimento vertiginoso do protestantismo no Haiti coincidiu muito com o período em que o país estava passando por inúmeras fases de ditadura (civil e militar) até o surgimento da era duvalierista. Em resumo, se o catolicismo era visto como uma religião elitista e socialmente desintegradora pelas massas fazendo-lhes sentir membros de uma outra sociedade, o protestantismo como religião de rebelião social desempenhando um papel mais socializante do que o catolicismo, o vodu, religião de raiz africana, está no centro dessas duas extremidades e simbolizará a resistência social do povo haitiano.

1.3. O vodu Haitiano

 À semelhança do candomblé brasileiro o vodu haitiano é de raízes africanas (Benim e Congo), ou seja, um produto social dos escravos africanos que foram vendidos pelos seus semelhantes africanos e transportados para Santo Domingo. E, mesmo se alguns dentre eles já tenham conhecido o cristianismo e o islamismo, eles permaneceram agarrados à sua cultura africana. A palavra vodu vem do termo beninês vodoun, que significa espírito e divindade. Na existência do vodu tal como criado na colônia de Santo Domingo, há, em particular, dois momentos históricos que marcam mais sua visibilidade como religião. De um lado, além dos encontros ordinários na clandestinidade, temos as associações e reuniões noturnas dos escravos com dimensão sociopolítica e religiosa. A mais importante ocorreu em 14 de agosto de 1791 e foi chamada de Cérémonie du Bois Caïman. Do outro lado, o segundo momento se refere às perseguições da igreja católica e dos protestantes. Paradoxalmente, essas perseguições concederam uma visibilidade maior ao vodu e produziram um resultado contrário ao que foi esperado, ou seja, enquanto eles não param de assimilar o culto do vodu ao fetichismo, satanismodiabolismo e à magia, ele se tornou mais influente.

Com efeito, esta reunião tinha um caráter solene na medida em que ela devia marcar a consagração do vodu como verdadeira religião popular dos negros africanos e levá-los à revolução social tão sonhada. Era um evento social, cultural, político e até místico relevante que não escapa à atenção da maioria dos historiadores haitianos embora as versões se diferenciem. Nele os deuses do vodu eram como uma força coletiva que animava a associação dos escravos e os guiava para o caminho da liberdade (MÉTRAUX, 1958, p. 34-48). Na reflexão do historiador haitiano Beaubrun Ardouin, era uma manifestação coletiva crucial na vida dos escravos para não somente conquistar sua independência, mas sobretudo para formar uma nação, enquanto Madiou viu nesta reunião uma espécie de luta racial que traduz o desejo e a sede de uma banda de negros africanos pela liberdade. Quando os escravos rebeldes se esconderam nas montanhas afastadas era no objetivo de, em primeiro lugar, fugir a escravidão e os tratamentos cruéis e desumanizantes dos cólons, em segundo lugar, de celebrar livremente seus cultos vodus longe dos olhos dos mestres e, por fim, de se reunir clandestinamente para discutir seus planos. É por isso que estreunião constitui um dos sucessos manifestos da prática do quilombola e não é por acaso que ela ocorreu no período noturno que era um tempo fatídico para os escravos. Eles aproveitaram sempre deste momento para se descansar, cometer o ato mais difícil como envenenar seu mestre e compartilhar entre eles as noticias sobre a situação da França.

Certo, esta reunião era perigosa e importante para os escravos, mas ela não era a primeira nem a última que eles concretizaram nos períodos noturnos. Embora interditas pelas autoridades coloniais, as reuniões noturnas entre os escravos eram uma maneira de desafiar a autoridade dos cólons e de permanecer conectados – em perigo da sua própria vida – com os espíritos do vodu. A noite representava o melhor momento em que os escravos contam entre eles o que os transtorna na colônia, conseguem consertar entre eles sobre a melhor maneira de conspirar contra os mestres. Além de ser uma das manifestações raramente públicas do vodu, esta reunião tem uma dimensão extraordinária porque foi nesta noite que os escravos tomaram a decisão mais importante de se rebelar com os brancos e de acabar com a escravidão e de assinar o pacto tácito da sua própria liberdade (SAINT-LOUIS, 2006). Além disso, ela tem um caráter especial porque traduz a manifestação socioreligiosa mais intensa das culturas africanas desde a criação da colônia, a união dos escravos na qual eles se sentiram investidos pelo sentimento da liberdade e pelos espíritos dos ancestrais, enfim, o momento simbólico para valorizar seus cultos vodus. Em resumo, esta cerimônia noturna era um grande momento de efervescência coletiva, pois, não apenas a noite era sempre para os escravos uma expressão de liberdade, mas esta reunião é a prova da força social que os escravos simbolizavam na colônia.

Porém, essas particularidades não impediram que o vodu e toda prática ligada a ele sejam tratados como paganismo e ferozmente caçados pela igreja católicaAntes da chegada do protestantismo para constituir a trilogia da conflitualidade religiosa, podemos dizer que, historicamente, entre o vodu e o catolicismo existia um conflito religioso real. A interdição do vodu não se restringe só ao período colonial, ela se estendeu até depois da independência, sobretudo durante a ocupação norte-americana. Todavia, o vodu devia ser praticado ao redor da colônia, nas montanhas onde se esconderam os escravos quilombos, e se espalhar clandestinamente entre os escravos das plantações e domésticos com, sem dúvida, a cumplicidade dos escravos quilombos. Apesar das interdições, nada impediu que a colônia francesa mais prospera do mundo seja contaminada pelo culto vodu e esta contaminação religiosa era, em grande parte, o fruto das ações dos escravos quilombos. O vodu devia também enfrentar a concepção da igreja católica segundo a qual ele é um problema de desenvolvimento social pelo país lembrando que, após a independência, ela conservou sua hegemonia religiosa com quase 90 % da população haitiana católica até 1980. E, contrariamente ao que se esperava, a proclamação da independência não acabou com a clandestinidade e a marginalização que sofreu, mas o faz entrar numa fase que Fridolin Saint-Louis chama semiclandestinidade quando ele disser:

Aujourd´hui encore, dit-il, il (le vaudou) vit dans une semi-clandestinité, même s´il a reçu une reconnaissance constitutionnelle. Il fait toujours partie du non-dit dans le discours public de la majorité de la population, tout en étant très présent au niveau des représentations et des pratiques. Mais en même temps, on ne peut oublier qu´il a aussi été porteur des résistances contre l´esclavage et contre tout ce que fut, dans l´histoire, le système économique d´exploitation du noir (SAINT-LOUIS, 2000, p. 7).

Podemos acrescentar à ideia do autor que esta semiclandestinidade tem por consequência a misturação do culto vodu com os outros cultos cristão, católico e protestante e a falsa conversão às religiões de raiz cristã para escapar às sanções e perseguições sociaisDaí a explicação sociológica da percentagem de 2,1 % dos vaudouisants auto-declarados, que poderia ser muito mais se levarmos em conta esta misturação social oriunda de dois fatos sociais: assimilação e imitação que originam-se da época colonial em que o escravo, acordado e submergido num mundo escravagista excessivamente desigualitário, não tinha outra escolha de sobrevivência que assimilar e imitar o modo de vida do colonizadorO ser haitiano era compartilhado então entre uma vida social dominada pela servidão e domesticação e uma vida religiosa cuja existência era agitada tanto pelos preceitos cristãos que pretendiam humanizá-lo e civilizá-lo quanto pelos cultos vodus que o inspiravam um valor diferente: a liberdade humana. As conversões forçadas, as relações conflituosas entre vodu e catolicismo, as opressões, a falta de conhecimento científico, os primeiros contatos dos escravos com o cristianismo desde na África e seus impactos na vida dos escravos africanos e a falha deducação católica autoritária e da conversão forçada dos fies do vodu são dentre os principais fatores que podem explicar como e por que a imitação do cristianismo pelo vodu era inevitável até legítimaEsta assimilação e imitação faz também parte da estratégia de sobrevivência e de fortalecimento do vodu (NÉRESTANT, 1994). Sem perder, no entanto, sua originalidade africana, o vodu imita para resistir e isso significa que a catolicização assim como a protestanticização dos vaudouisants não foi completa.

Uma das razões desta catolicização inacabada era o fator educativo: entre os séculos XIX e XX, o nível de educação dos vaudouisants compelidos a se converter ao catolicismo nunca foi aprimorado, pois, nas zonas rurais, nos Lakou, eles continuam auto-conservando e praticando seus rituais voduícos. Acrescentados a este aspecto a decadência dos padres católicos corruptos, a deterioração do peso da pretensão civilizatória da igreja católica e o afeto dos vaudouisants à cultura africana. As perseguições dos adeptos do vodu por causa do seu pertencimento religioso os levam não a negar voluntariamente o vodu, mas a fingir e fortalecer sua fé religiosa para ressurgir com mais forca e determinação. Como disse Hurbon nas margens do seu célebre livro, Les mystères du vaudou, em parte, as perseguições e repressões serviram ao vodu a ser mais resistente, forte e permanente. A imitação pelo vodu dos cultos cristãos participa também desta resistência. É dizer, em outras palavras, que as represálias eram uma espécie de bênção e de fortificação para o vodu (HURBON, 1993, p. 68; MÉTRAUX, 1958, p. 58).

A migração forçada e involuntária dos vaudouisants para o catolicismo, o protestantismo e seus movimentos corolários participa também deste processo de misturação que não é um abandono das práticas voduícas, mas uma recomposição mista entre ritos vodus e cristãos. Segundo Hurbon, ritos, festas, cerimônias, calendário litúrgico do vodu são uma imitação do cristianismo. A excelente reflexão crítica de Alfred Métraux sobre o natal no vodu haitiano dá conta da imitação e originalidade do vodu ao mesmo tempo (1958, p. 201-216). As campanhas de destruição dos objetos sagrados do vodu nos anos oitenta para impedir a ampliação desta assimilação e imitação eram inúteis na medida em que, no fundo, os santos da igreja católica já tinham migrado para o vodu sob outros nomes. Por exemplo, Legba, chefe dos portões no panteão vodu, é a figura emblemática de Santo Pedro no catolicismo; Saint Jacques le Majeur é encarnado por Ogou Batala ou Ogou Feray e assim por diante. As relações culturais entre vodu e catolicismo são interativas enquanto no plano doutrinal e dogmático eles estão em conflito. Desta forma, parece que existe na sociedade haitiana um vodu católico e um catolicismo voduíco. Contudo, dizendo isso a ideia não é definir um pelo outro, mas mostrar que o vodu, como toda outra religião, sofreu influência e violência de outras religiões com as quais ele estava em contato.

Há duas dimensões sociais na manifestação do vodu que devemos sublinhar. Primeiro, o vodu é considerado como maior parte da cultura popular haitiana e cimento social que tece os Haitianos entre si concedendo-lhes concede uma identidade social imanente às práticas e hábitos sociais. Em segundo lugar, o vodu é uma religião de resistência e a forma de expressão das calamidades, sofrimentos e dores psicológicos e sociais do haitiano e o amarra com sua ancestralidade. O vodu é o culto que o Haitiano canta e ao qual recorre quando estiver em aflição e em busca de dimensão mística, espiritual e mágica para ter sucesso no plano sentimental, social, político ou econômico. O etnólogo, Jean Price-Mars, é um dos famosos intelectuais haitianos – senão o primeiro – que tenha atraído nossa atenção sobre a profundeza social, cultural e religiosa do vodu. Seu famoso livro, Ainsi parla l´oncle (1928), um verdadeiro hino à cultura africana inclusive o vodu e um dos estudos mais completo sobre o vodu, defende a tese segundo a qual o vodu constitui a essência da vida cultural quotidiana dos haitianos e a base da construção social da sociedade haitiana. Para ele, as raízes culturais haitianas são africanas e o vodu é esta cultura que nos liga à África. Assim, é inútil discutir se o vodu é uma religião ou não, Price-Mars já respondeu a esta preocupação sustentando três aspectos racionais suficientes – inspirados das Formas elementares de Emile Durkheim – que explicam por que o vodu é uma religião como todas as outras. Primeiro, o vodu tem seus próprios seres espirituais, seu corpo sacerdotal que administra os cultos, os ritos e as coisas sagradas, segundo, sua própria cosmogonia que relata a fundação do mundo e, terceiro, sua própria teologia que explica as relações entre as loas e os crentes (PRICE-MARS, 1928, p. 44-50). A citação em baixo permite entender mais claramente que o vodu é uma religião completa.

Le Vaudou est une religion parce que tous les adeptes croient à l'existence des êtres spirituels qui vivent quelque part dans l'univers en étroite intimité avec les humains dont ils dominent l'activité. Le Vaudou est une religion parce que le culte dévolu à ses dieux réclame un corps sacerdotal hiérarchisé, une société de fidèles, des temples, des autels, des cérémonies et, enfin, toute une tradition orale qui n'est certes pas parvenue jusqu'à nous sans altération, mais grâce à laquelle se transmettent les partie essentielles de ce culte. Le Vaudou est une religion parce que, à travers le fatras des légendes et la corruption des fables, on peut démêler une théologie, un système de représentation grâce auquel, primitivement, nos ancêtres africains s'expliquaient les phénomènes naturels et qui gisent de façon latente à la base des croyances anarchiques sur lesquelles repose le catholicisme hybride de nos masses populaires (PRICE-MARS, 1928, p. 45).

Seria ininteligível acreditar que o vodu não tem sua própria moral enquanto ele é intrinsecamente amarrado aos costumes, hábitos e tradições – principais fontes da moral – dos haitianos sem esquecer sua ética semelhante a qualquer outra religião do mundo. Ele permanece, portanto, a religião popular enraizada na história social e cultural do país. A respeito da função ilimitada do vodu na sociedade haitiana, é bom retomar esta frase de François Houtart prefaciando o livro de Fridolin Saint-Louis:

Il n´est donc guère facile de distinguer toutes les fonctions exercées par le vodou tout au long de l´histoire haïtienne, car il est, à la fois, protestation et expression festive, exaltation symbolique du monde de la nature et action magique pour en contrecarrer les effets, facteur d´identité et de pouvoir social. C´est dire que toute analyse du vodou est nécessairement un voyage au coeur de la société (SAINT-LOUIS, op. cit., p. 7-8).

Gostaríamos de concluir esta subsecção com uma abordagem sobre fato de o vaudouisant ter medo de declarar sua fé religiosa. Considerando que a percentagem de 2,1 % saiu de uma estatística de 2003 referente aos dados de 2001 a 2002 - período durante o qual o vodu continua sendo perseguido - este medo parecia inevitável e normal. De ordem educacional, este medo afeta o haitiano na sua identidade, faz com que ele tem subestima de si mesmo e está à origem da consequência da exclusão dos vaudouisants destrutura social haitiana. Este problema demonstra que as sequelas das campanhas anti-supersticiosas, da discriminação dvaudouisant por ser um analfabeto que precisa ser civilizado e educado não desapareceram. Muitos deles chamados Les rejetés, sofreram no interior do próprio catolicismo outras formas de discriminação racial e de exclusão social no sentido de que jamais nenhum dentre eles conseguiu alcançar um nível de educação superior uma posição de liderança na igreja católica. Eles foram deixados na escala social mais baixa e tratados como crentes do terceiro estado, porque sua educação religiosa foi muito inacabada e corrompida pelo culto vodu. O que faz com eles nunca conseguiram integrar-se na comunidade católica pela desconfiança da hierarquia católica nas suas capacidades intelectuais de dirigir, pelo medo de ver o catolicismo corrompido pelos cultos vodus e pelo conservadorismo religioso.

O medo dos adeptos do vodu de declarar e exibir sua fé se expressa pelo que chamaríamos um quilombola religioso acompanhado de uma perseguição religiosa silenciosa. Com efeito, o medo de serem criticados, atacados, violentados, perseguidos e de sofrer represálias, obriga muitos vaudouisants a aceitar uma vida religiosa marginal a fim de se auto-proteger. A maioria prefere dizer que é católica acrescentando o sufixo «não praticante». Esta maneira de agir se refere aos sentimentos de inferiorismo que Price-Mars chamou bovarismo coletivo, em lugar do qual usaremos o termo bovarismo individualista para falar de uma atitude individualista que leva o indivíduo não a se ver e a se aceitar como ele é exatamente, mas a se assemelhar com o outro. Desta maneira, muitos vaudouisants se veem como católicos, alguns como cristãos e outros como protestantes, mas não como vaudouisants enquanto, diferentemente do catolicismo, no espírito ancestral, o vodu é uma religião de auto-proteção e de autoconfiança que inspira o haitiano a lutar e a resistir às atrocidades e impiedades do sistema opressor, a não aceitar sua sentença social como acabada.

Considerações finais

Pelo que acabamos de ver, esta secção conclui que, efetivamente, entre catolicismo, protestantismo e vodu houve conflito até violência simbólica que impediram o desenvolvimento e o funcionamento normal de cada um. Católicos estavam em guerra contra o vodu para instaurar na sociedade uma ordem perfecionista. Os ataques dos católicos e protestantes contra o vodu buscaram pressioná-lo e eliminá-lo do universo socioreligioso haitiano. O conflito religioso entre católicos e protestantes era (e é ainda) pela hegemonia religiosa e pelo controle do sistema religioso, dos interesses e privilégios que ele garante. Mas, qual é a situação dessas três religiões nos conflitos armados e violências coletivas em Cité Soleil? A questão da meta-mediação que abordaremos nesta próxima secção será articulada em torno do comportamento e atitude delas.

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