REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS SOBRE O LUGAR DA
RELIGIÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
SOCIOLOGICAL REFLECTIONS ON THE PLACE OF RELIGION
IN CONTEMPORARY SOCIETY
Resumo
Este trabalho
pretende ser uma tentativa de reflexão sobre o campo da sociologia da religião
cujo valor tende paradoxalmente a ser ignorado. O objetivo é trazer alguns
argumentos que poderiam levar a uma melhor compreensão da religião na sociedade
contemporânea. A religião, apesar de ser cada vez mais combatida, continua a chamar
atenção dos pesquisadores nos domínios antropológico, etnológico, político,
cultural e, sobretudo, sociológico, o aspecto mais relevante que nos interesse.
Palavras-chave: Religião. Sociedade contemporânea. Modernidade.
Abstract
This work aims to be an attempt to reflect on the field of sociology of
religion whose value tends paradoxically to be ignored. The goal is to bring
some arguments that could lead to a better understanding of religion in
contemporary society. Religion, despite being increasingly combated, continues
to draw attention from researchers in anthropology, ethnology, political,
cultural and, above all, sociological fields, the most important aspect that
interests us.
Keywords: Religion. Contemporary society. Modernity.
Introdução
Sabemos que a
religião é tanto velha quanto a humanidade, então ela é imanente à humanidade. Ela
cresce, funciona, se desenvolve, se transforma em harmonia com ela. A história antiga e medieval são séculos à predominância
religiosa onde tudo que acontece tem a haver com uma explicação ou
interpretação religiosa, ou seja, um ser espiritual está acima de todos os
fenômenos naturais e societais e faz mover tanto o mundo físico como o mundo
invisível. Os filósofos do século moderno optaram por uma explicação racional
dos fenômenos naturais e humanos e colocaram a religião numa esfera de vida
privada sem, no entanto, menosprezar os valores e a importância do pensamento
religioso. Assim, na sociedade contemporânea, o mundo não é mais um brinquedo nas
mãos dos deuses, mas se tornou um conjunto de resultados das ações humanas.
Também, desde o surgimento das sociedades modernas, a religião não detém mais o
monopólio de explicação da origem do mundo, da vida e do ser humano; a ciência,
o pensamento científico, o espírito crítico, a técnica e a tecnologia são as
novas formulas de fazer isso objetivamente. Como entender a religião neste
contexto?
Neste trabalho, gostaríamos
de propor uma compreensão mais aprofundada do lugar e da percepção da religião
na sociedade contemporânea marcada por diversos eventos como liberdade
individual, secularização, mundialização etc. A religião está sempre em
confrontação com os grandes fenômenos de caráter transnacional, internacional e
mundial. Isso explica de certa maneira as diferentes transformações que ela
sofre ao longo da formação histórica das sociedades humanas. Assim, enquanto nos
é importante saber qual lugar ocupado pela religião na sociedade contemporânea
em que vivemos, o presente artigo se compõe de três partes. Na primeira parte, pretendemos
discutir a formação do pensamento religioso e religião enquanto na segunda
enfatizaremos uma volta resumida a dois autores que a tradição da sociologia clássica
considera como figuras emblemáticas da sociologia da religião, a saber,
Durkheim e Weber. Por fim, discutiremos o lugar da religião na sociedade
contemporânea e seus desafios em frente do fenômeno da mundialização.
1. Formação do pensamento religioso e
Religião no século moderno
1.1.Considerações sobre a origem do
pensamento religioso
Deveríamos começar
por distinguir pensamento religioso e religião como instituição social, mas é
um trabalho árduo. Todavia, em resumo, precisamos saber que quando estivermos
falando das origens da religião, nós referimo-nos à formação deste pensamento
numa sociedade bem peculiar que representa o centro de surgimento de várias
disciplinas científicas ao mesmo tempo físicas e humanas. Com efeito, na
antiguidade Greco-romana, a religião era fundada sobre mitos e mitologias.
Portanto, o pensamento greco-romano era profundamente mítico. Esta
característica a distinguiu das outras religiões até as que são politeístas. Diferenciar
homem e deus era um trabalho de segundo papel porque a realidade sócio-religiosa
dominante lá era antropomorfológica. Os deuses podiam tomar às vezes a
fisionomia dos homens, e, estes poderiam incarnar um deus depende da sua obra
durante sua passagem na terra. Na mitologia Grega, a fundação do universo
encontra uma explicação deísta: é a obra de Zeus que cria no céu um sistema de
governança muito semelhante à que é estabelecida na terra. O sistema dos deuses
gregos tem uma organização estrutural parecida à das sociedades humanas.
A priori o sistema religioso
greco-romano é politeísta, temos, por exemplo, Zeus é o chefe dos outros deuses,
Athena, Prometeu etc. A cada deus sua função não somente pela harmonia celeste
como também pelo bom andamento da humanidade. Nas
sociedades greco-romanas, a civilização, simbolizada pelo fogo era reservada
exclusivamente aos deuses. Ele fez seu aparecimento dentre os humanos
a partir do seu roubou por Prometeu. Confiscado
durante muito tempo por Zeus, Prometeu levou este fogo à humanidade para abrir
sua inteligência e transformá-la em mestre do seu próprio destino. Ao ter agido
desta maneira, Prometeu pretende compartilhar a governança do mundo entre os
homens e os deuses, ou seja, os deuses não têm mais o monopólio de controlar e
dirigir os fenômenos. Prometeu arriscou assim sua própria vida como deus – pois
na mitologia grega os deuses, embora eternos, não são imortais – para salvar a
humanidade. Talvez este mito greco-romano seja o equivalente do fruto proibido
na Bíblia cristã, pois, seduzidos pela serpente, a inteligência de Adam e Eva
se abriu após terem comido a maçã. Em resumo, se devermos acentuar nestes dois
mitos, podemos dizer que a inteligência humana é o produto de uma desobediência
divina.
Em ambos os casos,
podemos ressaltar um conflito entre dois objetivos inconciliáveis: uma visão
divina conservadora do mundo e uma visão humana libertadora do mundo. Nesse
sentido, a humanidade se coloca à conquista da sua autonomia para poder
sustentar sua própria explicação dos fenômenos. Portanto, o pensamento
religioso nasceu num momento em que, primeiro, a humanidade ainda não teve o
fogo ou tem comido o fruto, segundo, o ser humano não dispus de ferramentas
para conseguir respostas suficientes e convincentes aos fenômenos naturais que parecem
ultrapassar a inteligência humana. Quando ele estivesse admirando a natureza,
as crenças e os ritos religiosos eram seus únicos recursos para entender. Assim,
se há um certo antropomorfismo interessante no universo religioso greco-romano,
é possível dizer que os deuses seriam puras ideias que têm por função de
corrigir as ações ruins do homem e lhe inculcar a faculdade de distinguir o bem
do mal.
No mundo
judeu-cristão a situação é diferente por duas razões: primeiro, estamos em
frente de um monoteísmo, segundo, o judaísmo, religião monoteísta mais antiga
do mundo, é a primeira a sustentar suas crenças e doutrinas com um texto
escrito, a Bíblia. Segundo a tradição religiosa judeu-cristã, a Bíblia é a
palavra escrita de um Deus racional que defini seus planos pela humanidade, em
particular, pelo seu povo eleito, a saber, Israel. Livro sagrado e revelado a
Moisés, a Bíblia contem não apenas o plano da organização social e política de
Israel, mas também todas as promessas feitas por Yahvé a todos aqueles que
permanecem fieis com ele. Os judeus não reconhecem outra lei que a Torah que se
encontra no Antigo Testemunho. Na sua essência, o judaísmo se opõe
categoricamente às religiões politeístas, porque o mundo tal como ele entende
foi criado por um Deus único. A estrutura mesmo deste mundo dá para compreender
que só uma única inteligência divina poderia estar atrás desta fundação.
As questões
doutrinais e dogmáticas sempre dividem as religiões. A história das religiões
nos ensina que o cristianismo e o islamismo de hoje são duas partes do judaísmo
antigo. Se, por exemplo, no cristianismo, fundado com o Novo Testemunho após
Jesus, encontramos esta mesma concepção de homem-deus,
o islamismo se opõe ferozmente a esta concepção que, segundo os muçulmanos, é
uma blasfémia. No novo contrato, Deus não é mais só para os Israelitas, mas é
universal e quer salvar a humanidade do pecado por Jesus segundo os cristãos,
por Maomé de acordo com os muçulmanos. Em resumo, além desta oposição, o
pensamento religioso judeu-cristão trabalha com a ideia de um mundo sob o
controle de uma única força divina e faz dos seres humanos principais
responsáveis dos fenômenos físico-humanos mesmo se Deus estiver pronto a
ajudá-los a superar os fenômenos naturais.
Na Idade Média, a
religião adquiriu uma certa racionalidade e objetividade nas suas
interpretações do mundo e das ações humanas nele. Ela começou, então, a se
impor não só como pensamento, mas como ordem. Incarnada pela religião, a sociedade
medieval abrange três ordens: a nobreza, o clero e o terceiro estado. A cada
ordem sua função distinta. Com efeito, à primeira é reconhecida a função de orar
e ensinar a palavra de Deus, à segunda a de fazer guerras e, por fim, a
terceira tem que se consagrar exclusivamente a trabalhar por conta dos
primeiros. O fato é que os dois últimos estão ao serviço do primeiro que é a única
ordem verdadeiramente privilegiada e dominante, ou seja, eles trabalham para
esta classe altamente superior. A força e as atividades dominantes da religião
na Idade Média eram a guerra e o comercio. Por conseguinte, os principais
beneficiários eram os nobres que se enriqueceram cada vez mais. Se, além disso,
as guerras consistem em caçar os infiéis que não acreditam em Deus – posto como
princípio supremo acida de todas as coisas e fundamento da racionalidade –, o
comercio constitui a fonte principal de riqueza da nobreza e do clero.
Os resultados críticos
do período medieval abriram o caminho para que os filósofos do século XVIII
possam colocar em questão o verdadeiro papel da religião na sociedade e a
natureza do Deus do catolicismo que se tornou muito dominante na época. Pela primeira
vez na historia humana, religião como pensamento e instituição foi questionada.
Foi também o momento crucial para, de um lado, a religião marcar uma ruptura
com, principalmente, a política e definir suas fronteiras em relação com a
filosofia e as outras ciências humanas como a antropologia e a psicologia,
fazer da razão científica o único método de explicação dos fenômenos naturais e
societais do outro. A primeira iniciativa de pensar a religião de modo crítico
começou então com os pensamentos filosóficos dos filósofos como Rousseau,
Montesquieu, Spinoza, Kant, Nietzsche, Voltaire.
A fé religiosa
baseada na espiritualidade se opõe à razão científica fundada na materialidade
dos fatos, portanto o debate entre ciência e religião é também um debate
intelectual entre espiritualismo e materialismo. Desta maneira, a Igreja católica
perdeu muitas influências até que tenha conhecido uma divisão interna em algumas
partes como o protestantismo, ortodoxo, luteranismo etc. Mas, esta oposição não
significa uma ausência absoluta de razão dentro do pensamento religioso nem um
desinteresse total da ciência pelas representações e práticas religiosas na
sociedade. É assim que a religião enquanto fenômeno de sociedade poderia se
tornar um objeto de pesquisa científica.
Um fenômeno que a
ciência deve estar capaz de compreender e explicar porque não pode deixá-lo só
aos cuidados dos religiosos, crentes e teólogos. Até a teologia, além das
polêmicas, pode sustentar seus próprios argumentos. Filosofia, antropologia e
sociologia são as principais disciplinas científicas na área das ciências
humanas que, desde o início, se mostram demasiadamente interessadas pela
religião e pela formação e pelo avanço do pensamento religioso. Ainda têm mais
campos científicos que gostariam de estudar a religião, a etnologia e a
etnografia, por exemplo. Isso traduz o nível altamente intelectual que alcançam
hoje as discussões epistemológicas e metodológicas sobre a religião. Porém,
este interesse comum por um fenômeno tão importante não é sinônimo de
abordagens semelhantes ou que todas essas disciplinas vão concordar entre si e
defender os mesmos argumentos. No caso da sociologia, desde sua invenção para
substituir a física social de Comte, o papel que lhe foi concedido pelos pais
fundadores (Durkheim, Marx e Weber) era o de caracterizar, compreender e
explicar os fenômenos sociais que surgem na sociedade moderna. Em resumo, embora
jovem, com seus próprios métodos a sociologia devia ajudar a entender a
sociedade moderna e os problemas que o afetam.
O que isso significa?
Isso significa que a modernidade foi um momento crucial na história da
humanidade em que muitas questões relevantes de caráter social, cultural,
literário, científico e filosófico foram levantadas para pensar as sociedades
humanas de outro jeito. Nesse sentido, o papel da sociologia é fundamental,
pois, pela primeira vez na historia da humanidade, uma disciplina se interessa
exclusivamente pela sociedade e faz dela e dos fatos sociais seu principal
objeto de pesquisa. Tudo que se passa na sociedade não é essencialmente fato
social. O fato social, como disse Durkheim, é constrangedor porque nasce na
sociedade e vem de uma força exterior que ultrapassa toda individualidade. A religião,
como ela está à origem de muitos eventos no mundo: guerras, escravidão,
rivalidades políticas, racismo, faz parte também destas forças exteriores que
impõem ao ser humano uma maneira de pensar, agir e sentir. Portanto, a religião
não é só uma ideia ou um pensamento, ela é também ação e fato sociais reais. Os
movimentos sociais que ocorreram no Brasil durante a ditadura originaram da
religião Umbandista (ORTIZ, 1999, p. 7-9). No Haiti, o vodu, religião de essencialidade
africana, era no centro das guerras revolucionárias e das lutas sociais. Alguns
protestantes e católicos revoltaram contra a ditadura duvalierista dos anos
1960. No Japão, o Xintoísmo é uma religião que se investe nas ações
sócio-políticas e comunitárias dos mais necessitados. Portanto, é claro que a
religião se envolve cada vez mais nas atividades sociais, culturais e políticas.
Assim, Durkheim e Weber trabalharam a propor uma definição sociológica da
religião que veremos depois.
Até lá vimos o
processo histórico que levou à formação da religião não somente como
pensamento, mas também como instituição social na figura, por exemplo, da
Igreja católica. Precisamos agora definir a religião. Há uma definição conceitual
mais geral e uma definição sociológica proposta pela sociologia contemporânea, que
será abordada com os dois clássicos Durkheim e Weber. A definição conceitual ou
geral é o próximo ponto a tratar.
1.2.Definição da
religião
A
definição conceitual de uma noção como religião é problemática. Esta é anterior
à definição teórica e lhe é complementar, no entanto, entre elas, há menos
consenso que contradição. Um conceito está dominado pela polissemia e varia em
função do tempo e do espaço enquanto a teoria se refere a um conjunto de
argumentos lógicos e racionais objetivamente sustentados e cientificamente
comprovados. Portanto, ela demora mais tempo a se formar e a se confirmar, e
permanece válida até que não seja rejeitada. As polêmicas epistemológicas e metodológicas
fazem com que o conceito de religião – e qualquer outro conceito – é de difícil
definição. Ademais, nunca vai existir unanimidade sobre um conceito entre os autores,
um autor como Yves Lambert vai até falar de um Tour de Babel de definições tanto do ponto de
vista conceptual como teórico (LAMBERT, 1991, p.73-85). As definições a
seguir levarão em conta as contribuições dos filósofos do século XVIII.
Com efeito, o século
XVIII é aquilo do questionamento pela razão humana sobre a existência de Deus e
o real papel da religião na sociedade. O livro de Leibniz, La
Theodicée, publicado em
1710, abriu o debate por um ensaio sobre a origem do mal, mas Voltaire se opõe
tentando de neutralizar Deus e religião. Todavia, ambos questionam a existência
de Deus e a importância da religião. Podemos dizer assim que o século XVIII
começou com o julgamento de Deus e o afastamento da religião nas coisas públicas
e sociais. Montesquieu, Rousseau, Kant, Hume são dentre alguns dos mais famosos
filósofos do século XVIII que trabalham inicialmente sobre uma definição da
religião. Vamos considerar sucinta e separadamente sua abordagem.
Montesquieu se interessou menos
pelo papel social da religião que sua conivência com a área política. Seu
célebre estudo, De l´esprit des lois,
analisa como o religioso empreende algum relacionamento com o sistema político
e poderia haver efeitos sobre tal forma de governo, ou seja, à cada religião um
tipo de poder político. Segundo ele, o islamismo se relacionaria ao despotismo,
o protestantismo à república, o catolicismo à monarquia (MONTESQUIEU, 1758,
Livre XXIV). Em Rousseau, encontramos uma relação mais direta, objetiva e
construtiva entre a religião e a política através do conceito de religião
civil. O que significa que não somente a religião deve ser um assunto do Estado,
mas sobretudo este tem como responsabilidade de estabelecer uma religião comum
a todo cidadão. Assim, a religião – natural puramente individual e interior –
teria três papeis na sociedade: explicar a causa da existência dos
movimentos físicos, procurar entender a inteligência que está atrás dessa causa
segundo as leis e promover a crença na imortalidade da alma. A religião civil
seria uma forma de defesa da cidade, a religião escolhida pelas autoridades
governamentais no âmbito de um contrato social. Portanto, diferente da religião
natural que se encontra na ordem natural, a religião civil é uma construção
histórica do Estado em virtude de um contrato social (ROUSSEAU, 1762, Livre IV).
Em Kant, é a oposição
entre religião de culto e religião moral que domina. A religião moral é a que
seria a melhor forma de religiosidade para a sociedade. Os crentes do primeiro tipo de religiosidade enfrenta um parasitismo
porque estão em busca do favor de Deus na esperança de uma vida eterna, assim Deus
se encontra dependente dos louvores dos seres humanos e não pode viver sem eles.
A religião moral kantiana tem o caráter de reciprocidade, ou seja, não faça a
outro o que você não gosta. Ela se definiria então como a vida boa, justa e
ética em serviço dos outros. A religião moral conduz, segundo Kant, à criação
de uma sociedade moral e de uma Igreja invisível. Com Kant, o discurso
filosófico da existência de Deus baseada na razão se transformou em
questionamento da razão em si mesma. Kant tem o mérito de ter enxergado o
perigo de reduzir a existência de Deus só à razão humana, isso correria o
risco também de desvalorizar a imanência de Deus enquanto o objetivo da razão
seria mostrar ou rejeitar sua existência. Nesse sentido, acrescentou Kant, a
razão humana não tem a capacidade de provar ou negar a existência de Deus (KANT, 1973, p. 27-39).
Hume no seu livro
publicado em 1757, L'histoire naturelle de la religion, vê na religião
um princípio natural que governa o universo e o mundo vegetal, humano e animal.
Ele propõe então a definição seguinte: “Geralmente a religião se define como uma crença em um poder invisível
e inteligente que age nas obras da natureza, e igualmente nos eventos
diversos e contrários na vida humana’’(HUME, 1757, p. 39). Comparando
religião politeísta e religião monoteísta, ele apontou que o politeísmo não é a
negação do monoteísmo, mas sua continuação sob diversas outras formas e, por
outro lado, criticou a tese segundo a qual o cristianismo seria superior às
religiões politeístas Greco-romanas.
Gostaríamos de encerrar
essas considerações teórico-conceituais com a contribuição de Nietzsche.
Filósofo radical a originalidade de Nietzsche é ter feito do homem um
falsificador de Deus desde a origem, neste caso o pensamento religioso –
intrínseco à ideia de Deus – nasceu simultaneamente com ele. Em outras
palavras, cada ser humano é portador de uma religião nele, pois cada ser humano
pode ser um fabricador de Deus. Portanto, em Nietzsche não somente Deus é um
ser mortal, mas ele está morto (NIETZSCHE, 1878; 1888).
Este percurso
histórico da noção de religião nos permite entender que qualquer seja o nível
civilizatório de uma sociedade, nela, a religião ocupa um lugar central e está
sempre se relacionando com as ideias de Deus, divindades, espíritos, demônios, seres
invisíveis de várias categorias – fundadores pressupostos do mundo – que, como
apontou Feuerbach (2007), são projeção e objetivação da imaginação humana
porque Deus é um objeto imaginário. Se o debate do século XVIII fosse aberto
com o julgamento de Deus e a interrogação da religião como princípio moral do
mundo, a problematização do seu papel social continua até hoje.
1.3.Diferentes
tipos de religião
Além
de se diferenciarem em termos de doutrinas e dogmas, as religiões têm,
todas, uma missão comum: levar o ser humano a uma vida de contemplação e de
meditação acreditando em uma espiritualidade invisível, impalpável e poderosa. As
religiões se dividem em vários tipos dentre os quais podemos sublinhar: religião popular, religião politeísta,
religião monoteísta, religião moral. Esta tipologia tem a ver com a visão e as
atividades de cada uma delas. Além disso, embora cada religião possua origem e
definição próprias, isso não afeta a estrutura nem o conteúdo delas. Nesse
sentido, precisamos nós preocupar mais do papel e do impacto de cada uma dessas
religiões na vida dos indivíduos e nos planos de desenvolvimento social,
cultural e econômico. Seria bom, no entanto, falar um pouco de cada um destes
tipos de religião.
O conceito de
religião popular nasceu dentro do debate intelectual a parte dos anos 1970 na
Franca e no Canadá. Apesar de ser uma noção de difícil definição, alguns
autores como Micheline Laliberté e Bernard Plongeron, que se interessam pela
problemática de religião popular tentam elaborar alguns elementos interessantes
a partir dos quais é possível identificar e caracterizar uma religião popular.
Com efeito, segundo eles, a religião popular está em perfeita relação com a
religião oficial, clerical e cientista de um lado; com o folclore, o paganismo,
a superstição e as condições sociais do outro. De fato, a religião
popular nasceu a parte das superstições mais antigas geradas na sociedade (PLONGERON, 1976; LALIBERTÉ, 2000). Segundo Hume, as
religiões populares seriam a manifestação da paixão e da ausência da razão
humana. As superstições ocupam um lugar muito relevante na religião desde a
Idade Media. Sendo um tipo de crença muito forte, ela se desenvolve mais nas
regiões rurais geralmente pelos camponeses idosos. Assim, a superstição é
inerente à religião popular (HUME, 1980).
O politeísmo que é um
sistema cosmogônico de várias divindades, reconhece a coexistência, o valor e o
poder de uma multidão de deuses entre os quais se estabelece um sistema
hierárquico e onde os conflitos são mais fáceis. Além disso, ele parece mais
tolerante e aberto aos conflitos e às rivalidades enquanto o monoteísmo tende a
ser menos conflituoso e muito fechado sobre si com a doutrina de existência de
um Deus único. Assim, no politeísmo os crentes se relacionam com uma
pluralidade de seres espirituais, por conseguinte, as escolhas são menos
restritas e constrangidas e as dúvidas se tornam coisa natural, mas o
monoteísmo é em si muito intolerante e dogmático. Porém, é interessante
perceber que nenhuma religião quer, na verdade, um sistema divino unilateral
até o cristianismo.
Com efeito, o
cristianismo privilegia a Trindade, sistema cosmogônico composto,
principalmente, por três divindades: Pai, Filho e Espírito, todos em
posicionamento, com atributo e poder de deus. A noção de Trindade no
cristianismo é muito paradoxal e problemática e cria muitas polêmicas entre os
lideres religiosos. Quer sejam dominadas pelo politeísmo ou monoteísmo, as
sociedades teístas, desde a antiguidade Greco-romana, eram cruéis porque os
deuses exigiam, frequentemente, sacrifícios humanos. Ademais, o corpo social
era regido por dogmas religiosos. Por fim, a respeito da religião moral –
embora não vamos fazer muitas considerações além das já analisadas em Kant –trata-se
de um tipo de religiosidade cuja filosofia e cosmogonia ultrapassam qualquer
tipo de divindade e de ser espiritual dos quais seriam dependentes os seres
humanos. O Budismo é um exemplo protótipo das religiões morais[1]. No Budismo, Boudha é só
uma figura emblemática sem função divinista. A tradição budista mais antiga o
considera não como Deus mas como um homem natural extraordinário que, durante
sua passagem na terra, conseguiu levar uma vida moral, ascética e contemplativa
que mereceria ser imitada por aqueles que estão atrás da sabedoria, em particular,
da sabedoria oriental. Agora, de maneira muito resumida, vamos ver como a
sociologia contemporânea de Durkheim e Weber aborda a problemática da religião.
2. Durkheim, Weber e a sociologia
contemporânea da religião
2.1.A sociologia
da religião do Durkheim
Com efeito, As formas elementares da vida religiosa,
estudo fascinante do século XIX sobre o papel social da religião, é fruto de
longas e corajosas pesquisas de Durkheim sobre a origem do pensamento religioso.
Seu campo de pesquisa era as sociedades tribais australianas para implementar
seu trabalho e verificar sua hipótese segundo a qual a religião é a expressão
das forças coletivas. Além das críticas, alguns sociólogos que sucederam a
Durkheim enxergam neste livro o fundamento da sociologia da religião. Após ter
revisado as diferentes religiões como o estoicismo, Durkheim chega à conclusão
de que compreender o papel da religião cabe levar em conta dois elementos
fundamentais: divindade e sociedade.
A origem divina se funda numa ordem
sobrenatural. O sobrenatural é o mundo insensível, misterioso, invisível e de
tudo que ultrapassa a inteligência humana. Toda origem divina de uma coisa está
sempre relacionada com Deus, seja como ideia ou ser espiritual e sobrenatural, assim
a ideia de Deus se encontra inseparável da religião. Este ser espiritual ou
sobrenatural varia em função da configuração social. O segundo significado da
origem divina da religião tem a ver com o reconhecimento pelo ser humano da
existência de um sistema dualista que governa o mundo, a saber, Sagrado e
Profano. O sagrado é o interdito e o intocável que transcende a natureza humana.
Não precisa ser essencialmente um ser, o sagrado, segundo Durkheim, pode
designar uma pedra, uma fonte de água, um objeto etc. O sagrado e o profano,
sendo heterogêneos, se manifestam e evoluem de maneira diferente, mas, no
entanto, não são contraditórios porque um é o condicionamento do outro. A
manifestação do sagrado e do profano coloca em jogo crenças e ritos que são os pulmões da vida religiosa (DURKHEIM, 1989, p. 41-46).
A origem social da religião significa, no sentido
durkheimiano, que ritos, crenças, cerimoniais, práticas, cultos nascem na
sociedade e representam as maneiras de agir, sentir e existir das forças
coletivas. Dito de outra maneira, são representações coletivas que têm
necessidades sociais e culturais a satisfazer. Ademais, a religião é de fato a
expressão da vida coletiva através dos ritos e sacrifícios consagrados ao
sagrado e que têm funções particulares. Quer seja num ambiente da ação
individual ou coletiva, o homem, que é um ser que se constrói tanto na individualidade
como na sociedade e que tem a capacidade e a imaginação de separar as coisas
sagradas das coisas profanas, está no centro da materialização dos ritos e
sacrifícios. Portanto, a religião, coisa socialmente elevada e
estruturada, é dependente das manifestações coletivas dos grupos socio-religiosos.
Cabe à igreja, que é a representação física destes e inseparável da religião a
gestão das coisas sagradas. Em resumo, a religião na concepção durkheimiana é
um fato social que deve ser tratado, compreendido, analisado e explicado como
todo fato social (Ibid, p. 21-29). Ela se define da maneira seguinte:
Uma religião é um sistema solidário de crenças
seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas,
proibidas, crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada
Igreja, todos os que a ela aderem (Ibid, p. 79).
Toda pesquisa científica,
seja de caráter teórico ou empírico, tem seus limites e suas fraquezas. As Formas
elementares de Durkheim se limitou às sociedades australianas e não conseguiu,
a despeito da sua alta consideração, explicar total e integralmente todos os
fenômenos religiosos na sociedade ocidental. Ademais, uma pesquisa científica tem
que chegar à uma questão aberta suscetível de provocar outras perguntas e
reflexões. Nesse sentido, toda pesquisa é um produto inacabado sempre em
adaptação, readaptação e continuidade. É, ao mesmo tempo, um fim e um começo. Todavia,
este livro é, sem dúvida, uma enorme contribuição à sociologia contemporânea da
religião e à compreensão do papel social da religião no seio da sociedade. Sem
exageração nem fanatismo, este livro inclusive a Ética protestante de Weber, que vamos considerar agora, se tornam uma
referência clássica para os cientistas e sociólogos da religião.
2.2.A sociologia
da religião do Weber
Weber e Durkheim são
dois contemporâneos que, além de outros temas importantes como educação,
família e economia, fizeram do tema da religião um dos elementos centrais das
suas pesquisas, mas Weber é geralmente famoso por conta das suas pesquisas
empíricas sobre a economia e seus engajamentos políticos. Na área da sociologia
– a sociologia da religião sobretudo – as abordagens teóricas e argumentos
divergem entre os dois, principalmente quando se tratar de esclarecer a origem,
a natureza e o conteúdo das atividades religiosas. Como neste trabalho não se
trata de fazer uma comparação entre eles, o que devemos memorizar é que Weber e
Durkheim permanecem dois clássicos nas ciências sociais cuja leitura é
fundamental.
Com Weber, nós entramos
numa outra perspectiva da religião e num outro universo teórico de pesquisa.
Weber coloca o indivíduo, ator social, como eixo da origem da religião que,
segundo ele, é sua própria invenção. Suas ações ultrapassam as regras sociais
preestabelecidas e as ações sociais não têm sentido sem ele. Em Weber, os
dogmas e práticas religiosos nascem nas relações sociais dos indivíduos entre
si. As crenças e práticas religiosas se originam de um personagem carismático,
o profeta por exemplo, que haveria a capacidade de interpretar os fenômenos
naturais. A abordagem de Weber nos convida a enxergar em cada indivíduo um
potencial ator das atividades econômica, política, religiosa, cultural,
literária, social etc. A sociedade é sempre uma ficção. Só as ações individuais
podem ser contabilizadas e têm um motivo racional ou irracional. A religião tem
um peso significativo nessas relações porque é portadora de valores e de
símbolos. Falando de racionalidade e de irracionalidade dos motivos religiosos,
devemos apontar que isso representa um dos aspectos originais do estudo
weberiano na medida em que constitui o motor da teoria da ação social (WEBER,
1971).
Tanto nos estudos
sobre a economia como naqueles sobre a religião e a política encontramos esta
ênfase de Weber sobre o comportamento do indivíduo em frente das situações
sociais. O que ele encontrou na sociedade ocidental e não achou alhures, é uma
ética religiosa que se dá bem com as atividades econômicas. Esta ética que se desenvolve
no calvinismo protestante desafia as teorias econômicas e explica racionalmente
porque os protestantes se tornam, economicamente, mais prósperos que os
católicos. A Ética protestante é esta
obra fascinante que descreve perfeitamente esta conduta de vida dos
protestantes em comparação aos católicos. Com efeito, escrito em pleno avanço
da economia capitalista, neste livro Weber problematiza e analisa a maneira de
que a religião como sistema de valor participou consideravelmente da
constituição e da formação da economia capitalista na sociedade ocidental[2]. Isso se trata, por um
lado, da contribuição das condutas religiosas às atividades econômicas e, por
outro lado, do papel da religião na economia. Estamos assim em frente de uma
outra grande contribuição ao campo da sociologia da religião que não somente
faz chamada à uma outra disciplina que é a economia, mas sobretudo enfatiza o
aspecto da conduta e ação humana que não havia sido visto antes como fator de
análise.
Como os indivíduos
estão no centro das ações humanas, então não precisa de um Deus para explicar
porque agiu de tal maneira. Portanto, a ideia de Deus está totalmente ausente da
visão weberiana da religião, os indivíduos que ele define como atores sociais
lhe interessam mais. Nesse sentido, ele desenvolve um tipo de ateísmo
semelhante àquele de Marx por quem Deus está morto e a religião permanece uma
pura ilusão. No entanto, ao fazer da religião um objeto de pesquisa, o objetivo
de Weber consistia em mostrar como as condutas ético-religiosas influenciam a
vida social dos indivíduos e conseguem transformar seus comportamentos no plano
interior e exterior. Assim, a Reforma passou a ser o período em que a influência
da igreja ficou mais pesada sobre a vida dos indivíduos (WEBER,
2005, p. 25-41).
Mas,
de qualquer maneira, a religião, o protestantismo em particular, possibilitou o
sistema capitalista para se desenvolver e se consolidar lhe oferecendo mãos de
obras oruindas das classes pobres. “Néanmoins
– ou peut-être c'est pourquoi (nous poserons la question plus tard) – il est
bien connu que le protestantisme a été l'un des agents les plus importants du
développement du capitalisme et de l'industrie en France, et il l'est resté
dans la mesure où la persécution le lui a permis[3]” (Ibid, p. 20). No seu artigo titulado l´avenir de la religion
entre Durkheim e Weber, que é um comentário comparativo entre Durkheim
e Weber, Gregory Baum mostrou como o livro de Weber é uma tentativa de correção
do materialismo capitalista uma vez que entra no cenário a questão da
espiritualidade do protestantismo calvinista, tal espiritualidade ajudava a
luta social da burguesia contra a ordem feudal. As outras confissões religiosas,
acrescentou ele, que estão à origem do protestantismo como os metodistas, os
adventistas, os batistas ajudaram as classes inferiores a lutar para seu
sucesso capitalista. Assim, o autor tentou reconstruir a relação que
Weber estava tentando estabelecer entre espirito, ética e capital. O livro de
Taussig, O diabo e fetichismo da
mercadoria da Americana Latina, traz também uma contribuição interessante indo
no mesmo sentido quando estiver sublinhando a maneira de que o batismo do
dinheiro foi feito no objetivo de ganhar mais dinheiro e aumentar mais lucro.
Este aumento feiticeiro estava à origem da economia capitalista na sociedade
colombiana e boliviana (TAUSSIG, 2010).
Um dos méritos da sociologia
da religião de Weber tem a ver com a questão da secularização que, tendo sido
combatida pela igreja católica por seu caráter muito materialista, seria o fim
da religião na sociedade moderna. Este termo é problemático mesmo e não há como
atribuir uma definição fixa a ele, todavia, foi um fenômeno nascido na Europa
que anunciou como a dominação religiosa e eclesiástica deveria acabar logo por
causa do avanço do espírito científico do ser humano. Nietzsche falou do
fenômeno de transvaluation segundo o qual o aparecimento de novos
valores provocaria automaticamente a morte de Deus que se relaciona com o
sistema antigo de valores criado pelo homem. Portanto, este sistema tende a
desaparecer e este desaparecimento diminuirá obvia e consideravelmente o poder
de Deus sobre a humanidade. Tal é o sentido moderno do termo de secularização.
3. Religião, sociedade e mundialização
3.1.A Religião na
sociedade moderna
É preciso lembrar que
a sociologia da religião como o campo de estudo da sociologia nasceu na
modernidade ocidental. Este nascimento começou com a interrogação sociológica a
respeito da caracterização do fenômeno religioso e o futuro da religião nas
sociedades modernas ocidentais. Nesse sentido, a religião não pôde escapar ao
debate sociológico contemporâneo que se fez necessário. O que devemos entender
então por uma abordagem contemporânea da religião? Trata-se da maneira de que
os sociólogos como Marx, Durkheim e Weber analisaram o fenômeno religioso ao
mesmo título de quaisquer outros grandes fenômenos a caráter social, cultural,
econômico e político que marcaram a sociedade moderna da época. A discussão
sociológica em torno da religião podia ser resumida à palavra secularização.
No passado, este
termo designava a apropriação pelo poder civil dos bens eclesiásticos, mas nos
tempos modernos o mesmo termo traduz o enfraquecimento da vida religiosa em frente
do desenvolvimento exponencial da modernidade. Peter Berger (1999) tem razão de
dizer que a secularização é o processo pelo qual os setores da sociedade e da
cultura são subtraídos à autoridade das instituições religiosas. Trata-se, por
este sociólogo austríaco, da perda do poder, da predominância e da dominação da
religiosidade sobre as instituições políticas, os pensamentos críticos e as práticas
sociais. A sociedade moderna, parece, se opõe categoricamente ao pensamento
religioso, ou seja, a vida secular significaria vida sem religião dentro da
modernidade. Nesse sentido, a modernidade seria a negação da religião senão seu
fim. Alguns autores como Nietzsche vão até prever a morte da religião a partir
do aparecimento da modernidade que significaria a saída da sociedade da
dominação religiosa. Mas, com o tempo, realizamos que a discussão entre
religião e modernidade se torna estéril.
O problema entre a
religião e a modernidade tem a ver sobretudo com uma questão de redefinição e
de repensamento das representações e práticas religiosas nas sociedades
modernas. Isso constitui os grandes obstáculos ou desafios contemporâneos que a
religião tem a enfrentar. Mas, paradoxalmente, foi na modernidade mesma que o
debate sobre a religião se tornou mais interessante, ganhou mais atenção e foi
mais problematizado. É claro que religião e modernidade estão em conflito,
porque o espírito crítico do homem se desenvolveu e se tornou mais cientifico e
crítico a respeito da religião que não o era anteriormente. Se a problemática
entre religião e modernidade colocar-se assim, qual seria a importância do
debate sobre a sociologia da religião? Este debate não é fechado e não pode
sê-lo, pois desde o século XX, muitas obras já foram produzidas sobre a
religião que se transforma desde então em área científica, quer seja através
das de Durkheim, Comte, Marx ou Weber.
Portanto, se antes o
enfoque reducionista da religião consistiu em considerar o religioso unicamente
como uma variável dependente de outras variáveis, como se a religião não tem
nenhuma consistência simbólica própria, hoje com os autores à imagem de Marx,
Durkheim, Weber, Fuerbach, Freud a crítica racionalista busca definir as
representações e práticas religiosas a partir dos fatores econômico, social, cultural,
antropológico ou psíquico. As análises sociológicas mais autônomas da religião
em relação com as filosofias lineares da história mostram que a modernidade não
é o fim da religião, mas uma nova maneira de pensar o religioso não como
transcendência, mas como fenômeno de sociedade. Ou seja, numa nova perspectiva
moderna, é preciso entender a religião com um espírito crítico além de
religiosidade, crença e dogmatismo. Portanto, as abordagens sociológicas
estabelecem outros métodos de estudar o fenômeno religioso constituindo-as em
objeto de observação e de análise.
Ao contrário a
modernidade ao permitir uma redefinição da religião participa do fortalecimento
do fenômeno religioso enquanto campo empírico a ser explorado. Além disso, na
modernidade a religião se posiciona cada vez mais em uma fonte relevante de
referência para compreender e explicar alguns problemas que dominam não apenas
o homem, mas também a realidade social. A Ética protestante de Weber por ter demostrado como a
Reforma aumentou o poder da igreja em vez de enfraquecê-lo era a prova evidente disso. A
religião confirma então sua força e capacidade de se adaptar às grandes
mudanças sociais. O fim da religião não é por hoje e a modernidade marca um
novo início ou um renascimento da religião com todo seu papel de socialização
irrefutável na vida dos indivíduos. O ponto seguinte acrescenta a força do
fenômeno religioso.
3.2.A força do
fenômeno religioso
Segundo uma estatística geral publicada entre 2010
e 2011, Estados Unidos – país muito desenvolvido do ponto de vista tecnológico,
científico e político e fortemente agarrado às tradições religiosas – têm 95 %
da sua população que acredita em Deus ou em um ser espiritual supremo. Sabemos,
além disso, que eles têm a reputação de praticar a religião civil, uma
singularidade deles onde o religioso se conjuga com o político sem nenhuma rivalidade.
O lugar da religião na sociedade americana é muito relevante porque ela tem um
papel moral. A política é praticamente separada da religião e não a domina, mas
teoricamente ela exerce uma grande influência sobre a política. Nos Estados
Unidos existe um tipo de laicidade flexível diferentemente na Franca e na Europa.
Na Europa e na Franca há dois fenômenos religiosos interessantes chamados: crer
sem pertencer e pertencer sem crer, o que significa
que 75 % da população europeia declaram em 1999 pertencerem a uma religião.
Segundo este mesmo inquérito, 47 % dos Franceses dizem pertencer a uma
religião. Entre 1999 e 2000 acerca 77,4 % dos Europeus acreditam em Deus e 61,5
% são os Franceses mas sem pertencer a um qualquer grupo religioso. Em outras
palavras, os Europeus são mais religiosos do que os Franceses (BEN BARKA, 2011; RODOLPHO, 2012).
Raymond Lemieux, no seu livro, Les défis
contemporains de l´enseignement religieux, mapeou uma problemática na
sociedade quebequense – sempre em busca de um modelo religioso. Ela está confrontada
por diversas correntes religiosas muito fortes e influentes como, por exemplo,
a reencarnação. Apesar de ter 90 % dos quebequenses que afirmam acreditar
em Deus, essa crença é cada vez mais colocada em dúvida em face dos avanços tecnológicos
e técnicos do mundo contemporâneo (LEMIEUX, 1988, p. 11-13).
Há um outro aspecto
da força do religioso que não deve nos escapar. É que certas missões
eclesiásticas tendem a se tornar hoje missões humanitárias, algumas igrejas
começam a desempenhar outros papeis além de o de ensinar a palavra de Deus e o
respeito dos princípios doutrinais e dogmáticos da igreja. Este papel é social,
ambiental, humanitário, cultural, político. Desde o início do século XX há
grandes transformações que se operam no campo religioso, tais transformações
traduzem uma nova concepção da religião e um esforço de entender a religião
numa outra dimensão. Com efeito, hoje, a religião não se resume mais somente a
um modo de aprovação enquanto membro de uma igreja, a uma espécie de
manifestação da fé cega e da perseverança em Deus, é uma atividade social, cultural
e coletiva irresistível. Do ponto de vista humanitário, a religião é uma
consagração e um sacerdócio para todos aqueles que a praticam. Finalmente, igrejas
(cristãs, católicas), mesquitas e templos não são apenas espaço de oração e
lugar de confraternização e solidariedade, mas também instituições como
qualquer outra instituição social com suas próprias regras, seus fundamentos,
seu orçamento e sua estrutura organizacional mesmo se seu papel fundamental consiste
em perpetuar a religião como sistema de pensamento, de crença e modo de vida
social. Como sistema, a religião tem suas técnicas e seus métodos para atrair o
máximo de indivíduos possível para se tornarem membros e atores integrais. Mas
fica sabendo se a religião é capaz de resistir à mundialização. Este assunto
fará, sucintamente, objeto do último ponto deste artigo.
3.3.A Religião em
frente do tribunal da Mundialização
Abordando esta parte
de maneira muito sucinta, vamos nos limitar à mundialização no sentido conceptual
do termo. Noção de difícil definição e compreensão, a mundialização significa,
sobre o plano político, econômico e cultural, a interação generalizada entre as
diferentes partes da humanidade. Em outras palavras, com a mundialização
conhecemos a aproximação dos indivíduos, o afastamentos dos outros e a
ampliação dos mercados. É um assunto muito complexo e complicado em torno do
qual se desenvolve um debate dialético e geopolítico pesado entre a Franca e os
Estados Unidos. Pois, sobre o conceito de Mondialisation
de uso frequente na França de um lado, o de Globalization
a palavra inglesa usada nos Estados Unidos para designar quase o mesmo
fenômeno do outro, não é possível encontrar um consenso. Porém, globalização
não significa mundialização, são dois fenômenos distintos, portanto, não sendo
sinônimos, há nuance entre os dois termos. Todavia, são detalhes a evitar para permanecermos
concentrados no assunto que estamos tratando, pois, nossa tarefa se limita a
compreender o comportamento da religião dentro da mundialização.
Da mesma maneira que
o fim da religião foi anunciado a partir do aparecimento da modernidade, a
mesma ilusão foi reproduzida pela mundialização. Todos aqueles que acharam que
a mundialização significava o fim da religião, Didier Long traz um argumento
contrário segundo o qual até as religiões menos tradicionais conhecem no âmbito
da mundialização o que ele chama uma espécie de déterritorialité. Ou seja, os evangélicos e fundamentalistas
muçulmanos, ao se deslocarem do seu próprio território, chegam aos outros países
da América, da África e da Ásia sob o titulo de neo-religiões. Segundo Peter
Berger, em 1900 67 % da população mundial era religiosa, hoje tem 73 % e em
2050 terá 80 %, o cristianismo tornar-se-á mais evangélico em 2050 e em 2025 a
planeta conhecerá 2,6 bilhão de cristãos (BERGER, 1999). Tudo isso certifica
que a religião se dá bem na mundialização.
O religioso e a
mundialização se influenciam e interagem reciprocamente. A grande força das
neo-religiões no contexto da mundialização é que chegam a se adaptar ao mercado
religioso e se constituem em redes mundiais, também a mundialização lhes abriu
outros mercados antigamente fechados ou hostis ao pensamento religioso. A
mundialização que conhecemos hoje vem das crenças, é, primeiramente, um
fenômeno espiritual. Jean Boissonnat (1976) viu nas mensagens de Jesus um tipo
de messianismo mundializante antes da letra. Nas predicações de Jesus, ele
considera pelo menos dois aspectos: primeiro, o fato de que Jesus não deixou
nenhuma escritura sagrada ao povo judeu, isso traduziria que seu ensino se
direcionou a todo mundo, segundo, a sua ordem transcrita pelos seus discípulos
na Bíblia: « Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Mateus
28:19 », faz hoje a força dos atores religiosos (profeta, pastor,
sacerdote etc) para ampliar o evangelismo ao mesmo tempo religioso e político
além das fronteiras. As religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e
islamismo) com a ideologia de um deus universal, criador da humanidade e do
mundo participam de uma certa maneira deste processo da mundialização.
Conclusão
Em resumo, gostaríamos
de concluir este artigo dizendo que o sagrado que acompanha ao longo do tempo
todo o processo de desenvolvimento da religião não se constrói sem uma mão
humana, ou seja, o sagrado tem valor aonde há seres humanos. Por outro lado, a
interpretação do fenômeno religioso não é uma tarefa que pertence
exclusivamente aos sociólogos ou aos religiosos. Trata-se de um fenômeno
acompanhado de um conjunto infinito de aspectos. Portanto, o monopólio de
discussão e de debate sobre a religião não é uma iniciativa própria da
sociologia, da filosofia, da antropologia nem da teologia. Cada uma dessas
disciplinas científicas tem sua contribuição e sua pedra a trazer na construção
da religião como fenômeno de sociedade. Assim, seja como crença pessoal e
privada, sistema de representações e de socialização cultural, ou força espiritual,
a religião, embora combatida nas suas partes dogmática e doutrinal, permanece
um dos fenômenos mais importantes das sociedades contemporâneas.
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[2] Os mesmos fenômenos não aconteceram nas
sociedades orientais como China e Japão, países a forte dominância religiosa.
Um dos elementos suscetível de explicar isso é que diferentemente das religiões
ocidentais, as religiosas orientais nunca tentaram estabelecer, exigir e criar
uma conduta de vida intramundana. Elas sempre preconizaram uma conduta
extramundana pela mediação e contemplação (WEBER, 2000; 2003).
[3] No obstante – ou talvez seja porque
(nós perguntáramos mais tarde)- é bem conhecido que o protestantismo foi um dos
agentes mais relevantes do desenvolvimento do capitalismo e da indústria na
Franca, e é o ficado na medida em que a perseguição lhe permitiu (Tradução nossa)
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