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RESUMO
RESUMO
RESUMO
Este artigo se ambiciona a discutir, a partir da perspectiva da sociologia da religião, os valores sociais e culturais que o sagrado traz à socialização do indivíduo. O sagrado pode designar, do ponto de vista normativo, tudo que desperta no ser humano um sentimento de respeito e de temor, mas sobretudo, de conformidade. Ele possibilita proteger as normas societais contra quaisquer alterações fantasistas, subjetivas e egocêntricas, sem ter a aprovação do grupo social, mesmo quando estas pudessem ter um caráter racional. Por socialização devemos entender a interiorização pelo indivíduo dos diversos valores sociais e socializantes da cultura circunvizinha, como, por exemplo, normas, códigos, símbolos, costumes, regras de conduta etc. Nesse conjunto de valores, o sagrado como conceito e princípio imanente ocupa um lugar central.Palavras-chave: Socialização. Sagrado. Indivíduo. Religião.
ABSTRACT
This article aims to discuss, from the
perspective of the sociology of religion, social and cultural values that the
sacred brings to the socialization of the individual. The sacred may designate,
from a normative point of view, everything that awakens in man a sense of
respect and fear, but above all, compliance. It enables protect societal norms
against any fanciful, subjective and egocentric changes, without the approval
of the social group, even when they could have a rational character. By
socialization we must understand the internalization by individuals of diverse
social and socializing values of the surrounding culture, for example,
standards, codes, symbols, customs, rules of conduct etc. In this set of
values, the sacred as concept and immanent principle occupies a central place.
Keywords: Socialization. Sacred. Individual. Religion.
Keywords: Socialization. Sacred. Individual. Religion.
INTRODUÇÃO
Interpretando as teorias da solidariedade social de Durkheim e da ação social de Weber, a socialização pode se referir a uma etapa durante a qual o indivíduo se mostra maduro e consciente para não somente compreender e obedecer às regras sociais, mas também para trazer suas próprias contribuições ao desenvolvimento da vida social e coletiva, valorizando seus pontos de vista, sua visão sobre o funcionamento do corpo social. Toda socialização, se inicia e se apreende nas principais estruturas sociais como a família, a escola, a igreja etc., para Durkheim e Weber, ela faz chamada à capacidade de respeitar as normas objetivas, impessoais e racionais, portanto sociais (Durkheim, 1989; Weber, 1971). Portanto, para Durkheim e Weber, a socialização passa, necessariamente, como vamos ver adiante, pela aprendizagem e pela assimilação dos princípios sociais invioláveis, neste caso, o sagrado.
A
socialização se define por Guy Rocher (1971) como a aquisição de valores
sociais e culturais, a integração de uma cultura exterior ou circunvizinha à
personalidade para se adaptar ao ambiente social (Rocher, 1971, p. 12-20). Como
processo, acrescenta ele, ela se adquire no meio social por um conjunto de
mecanismos[1]
sociais implementados pelos agentes: instituições sociais, atores sociais, meio
social, ou seja, a socialização, ao se concretizar essencialmente nos meios
sociais, cria uma espécie de ponto de intersecção ou de cruzamento entre o ser
individual (que o indivíduo não pode parar de ser) e o ser social (que ele é
obrigado a ser para poder viver em sociedade e construir sua própria identidade[2]).
Portanto, a socialização é, ao mesmo tempo, destruição e construção; conflito e
harmonia; divisão e coesão; uma mudança continua e uma evolução que se realizam
a partir da assimilação dos valores simbólicos e culturais do meio social no
qual o indivíduo se insere.
Ora, em primeiro lugar, esse processo não é
possível sem uma transformação que o sagrado como valor social se
responsabiliza a realizar, em segundo lugar, toda norma, qualquer que seja sua
natureza, social, religiosa ou outra, é, geralmente, agarrada ao sagrado no
objetivo de revesti-la de um caráter eminentemente inviolável. A
inviolabilidade se torna, por conseguinte, uma natureza imanente a tudo que é
sagrado inclusive as regras que regem a sociedade. Ora, do outro lado, se a
socialização passa necessariamente pelo respeito das normas sociais e estas têm
a priori uma ancoragem sagrada,
então, o sagrado se torna um dos elementos constitutivos da normalização do
comportamento e da ação do indivíduo nas suas relações sociais. Assim, o presente
artigo compreende três partes. A primeira levanta em consideração as concepções
durkheimiana e weberiana do sagrado e seu papel na socialização do indivíduo. A
segunda discute como o conceito do sagrado se apropria as noções como tempo e
espaço. Por fim, tentaremos acrescentar que o sagrado é um valor cultural acrescentado.
1. AS CONCEPÇÕES DURKHEIMIANA E WEBERIANA DO
SAGRADO E SEU PAPEL NA SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO
Já sabemos o lugar que a noção do sagrado
ocupa em Durkheim a ponto que se encontra um elemento central da sua sociologia
religiosa. O sagrado é, no sentido durkheimiano, um dos fundamentos da vida
moral e social. É sagrado para Durkheim, todo objeto material ou imaterial,
visível ou invisível com o qual a visão comum e ordinária, geralmente profana, se
rompe. Essa ruptura do sagrado com o profano traduz um valor que vem se
adquirindo e se acrescentando com nova força e energia. Assim, qualquer coisa
pode se tornar sagrada na medida em que se separa do uso comum, da vida
ordinária, da visão profana (Durkheim, 1989, p. 67-68). Roger Callois vai no
mesmo sentido que Durkheim apontando que o sagrado pode se referir a uma propriedade
estável ou efêmera (as ferramentas usadas na execução do culto), a alguns
personagens, sejam eles fictícios ou reais (o rei, o padre, o antepassado), a
alguns lugares (os templos de adoração), a alguns tempos histórica e
socialmente festivos (o Natal, a Páscoa). Tudo isso torna o indivíduo mais
sensível a esses elementos que não pertencem à vida ordinária[3].
Na argumentação de Durkheim, o sagrado
não se vê sem o profano de tal modo que um se defina por outro, ou seja, é
inconcebível falar do sagrado sem enxergar ou considerar o profano, assim, apesar
de serem incompatíveis, o sagrado e o profano são coexistenciais; de serem opostos,
o sagrado não é a contradição, o apagamento nem a negação do profano e vice
versa. O sagrado em si é portador de prejuízo, de julgamento de valores, de
discriminação e de exclusão, como podemos constatá-lo na citação abaixo de
Durkheim:
Além disso, o mundo do sagrado é, por definição, mundo a
parte. Já que, por todas as características que citamos, ele se opõe ao mundo
profano, deve ser tratado de maneira particular; empregar, nas nossas relações
com as coisas que o compõem, os gestos, a linguagem, as atitudes que utilizamos
nas nossas relações com as coisas profanas seria desconhecer a sua natureza e
confundi-lo com aquilo que ele não é. Podemos nos servir livremente dessas
últimas; falamos livremente com os seres vulgares, mas, então, não tocaremos
nos seres sagrados, ou vamos tocá-los com reserva; não falaremos na sua
presença ou não falaremos usando a língua comum. Tudo o que é utilizado na
nossa relação com uns, deve ser excluído da nossa relação com os outros (Durkheim, 1989, p. 384).
Essa citação levanta um outro problema, o de
mistura, ou seja, se não tiver proibição de comunicação, de diálogo, de
interação entre o sagrado e o profano, isso não se aplica ao princípio de
mistura sobre a qual Callois como Durkheim chama nossa atenção. Com efeito, na
maioria das sociedades antigas, os principais proibidos eram geralmente os de
mistura: a comida dos homens é separada da das mulheres; as roupas que estes
colocam nos dias ordinários são separadas das roupas sagradas que devem colocar
durante as cerimônias religiosas oficiais, além disso, entre os esquimós, as
peles da morsa não se misturam com as da rena porque são animais de estações
diferentes, o primeiro pertence ao inverno e o segundo ao verão (Callois, 1950,
p. 26-27). Nas tribos australianas também, por exemplo, o cadafalso sobre o
qual o corpo de um morto é posto só pode ser construído com as madeiras que vêm
da tribo da qual era membro. Portanto, apesar da natureza sagrada das outras
madeiras das tribos vizinhas, elas não podem, no entanto, ser usadas a tal fim.
Isso significa que a proibição de mistura não se restringe somente entre
sagrado e profano, ela se atinge às coisas sagradas.
De fato, acrescenta Durkheim, entre as coisas sagradas há alguma relação de subordinação e de hierarquização, o sistema sagrado cria os iniciados superiores e inferiores independentemente do grau, do tempo de experiência e o processo de passagem nas diferentes etapas do ascetismo religioso, assim, eles não beneficiam do mesmo tratamento mesmo na questão de alimentos, ou seja, eles comem alimentos diferentes, são servidos em pratos e de maneira diferentes, moram em lugar diferente etc. Isso não traduz que, entre as coisas sagradas, existe rivalidade ou contradição, mas relação de subordinação. Enfim, essa questão de mistura acaba de mostrar-nos que não somente a sociedade se funda na base de um conjunto de contradições indefinido, mas também que a religiosidade fornece ao pensamento individual e social a inteligência e a capacidade de separar as coisas do mundo, recusando todo tipo de misturação que representaria um perigo para o pensamento racional e a ordem social (Ibid., p. 428-433).
De fato, acrescenta Durkheim, entre as coisas sagradas há alguma relação de subordinação e de hierarquização, o sistema sagrado cria os iniciados superiores e inferiores independentemente do grau, do tempo de experiência e o processo de passagem nas diferentes etapas do ascetismo religioso, assim, eles não beneficiam do mesmo tratamento mesmo na questão de alimentos, ou seja, eles comem alimentos diferentes, são servidos em pratos e de maneira diferentes, moram em lugar diferente etc. Isso não traduz que, entre as coisas sagradas, existe rivalidade ou contradição, mas relação de subordinação. Enfim, essa questão de mistura acaba de mostrar-nos que não somente a sociedade se funda na base de um conjunto de contradições indefinido, mas também que a religiosidade fornece ao pensamento individual e social a inteligência e a capacidade de separar as coisas do mundo, recusando todo tipo de misturação que representaria um perigo para o pensamento racional e a ordem social (Ibid., p. 428-433).
No âmbito do agir normativo socio-religioso,
as coisas sagradas são alguns simbolismos pelo meio dos quais comunicamos com o
ser espiritual e podemos colocar-nos ao serviço dele. Assim, os simbolismos
permitem passar da ação coercitiva sobre os deuses à de servir a eles. O sagrado não é somente uma simples força nos
símbolos, mas é também uma potência que age neles e se manifesta neles
transformando-os em coisas intocáveis e invioláveis. O sagrado é também a norma
social que está em cada um dos indivíduos, e, sendo a expressão da consciência
coletiva, a violação dele tende a revoltar esta consciência. Por isso, a
sociedade guarda suas coisas sagradas em um lugar certo e seguro, acessível só
às pessoas autorizadas. Então, o sagrado não se encontra em qualquer lugar
comum. Ao enfatizar a relevância que a sociedade concede ao sagrado e como ele
permite de manter a coesão social, enxergamos que ele gera para cada indivíduo
um sentimento de orgulho, de dignidade, de respeito e de segurança. Eles o
consideram como cimento social que fortalece os elos sociais.
Apesar
de ter sido objeto de muitas críticas por vários autores, notadamente François
Isambert[4]
e Hervieux-Léger[5], a
teoria durkheimiana do agir normativo acentuada no sagrado tem o mérito de
trazer uma solução ao problema da origem das normas e da sua eficácia social.
Ao tratar do sagrado, ele esclareceu até lá uma faceta obscura da sociedade, a
saber, a autoridade moral das normas. Essa autoridade é um estado da opinião
coletiva. Em outras palavras, quando o indivíduo estiver aderindo-se a um
princípio moral e social, isso traduz não somente que sua adesão é aprovada e
pelos outros indivíduos, mas também ele compartilha com as convicções que esse
princípio impõe. Assim, em Durkheim como em Weber, a constatação é quase a
mesma, ou seja, o sagrado representa para o indivíduo tudo que reveste uma
natureza suprema e autoritária com a qual qualquer tipo de brincadeira é
proibido.
O
diálogo ou a comunicação a estabelecer com ele não pode ser de qualquer
maneira, para isso, toda ação com o objetivo de contestar seu valor e sua razão
de ser é suscetível revoltar a consciência coletiva. Um aspecto importante a
enxergar no sagrado é os ideais que o cercam e o revestem dessa natureza
intocável. É isso mesmo que Roger Calois queria mostrar no seu livro atribuindo
o sagrado a uma coisa altamente significativa para cada ser (individual ou
coletivo) segundo sua paixão. No caso do pintor é seu pincel, do advogado a lei
e assim por diante[6]. O
objetivo do autor é mostrar que a sociedade do ponto de vista geral tem valores
e símbolos preciosamente protegidos, preservados e conservados.
Portanto,
na base da criação das ordens normativas, se encontra sem dúvida o sagrado, se
devermos apoiar-nos nas argumentações de Durkheim e Weber. Assim, do ponto de
vista da sociologia da religião, o sagrado simboliza a alma da sociedade, ele é
o elemento mais intocável e permanecente que existe entre os indivíduos e
modela seu o comportamento. Assim, a ideia do sagrado traduz que o instinto
individual nunca poderá acomodar-se e harmonizar-se com a alma social sem
dificuldade.
As
oposições entre sagrado e profano, apesar de serem muito fortes, não significam
que entre eles se erige um muro de Berlim. Certo, é uma verdade irrefutável: o
sagrado tende a se afastar cada vez mais do profano. Porém, o que seria o
sagrado sem o profano e vice vera? O sagrado é privado de sentido sem o
profano, por isso, recordamos que um pode se opor ao outro, mas nunca um será a
negação e a contradição do outro, pois, eles se devem entre si uma
coexistência, um desenvolvimento simultâneo, para isso, eles se impõem uma
delimitação para o bem estar da sociedade. Falando dessa delimitação, Massenzio
chamou nossa atenção dizendo que a fronteira que separa o sagrado define ao
mesmo tempo o limite do profano, isto é, delimitar significa diferenciar e
valorizar o sagrado e fazer emergir o profano[7].
Além disso, precisamos entender também que esse caráter polêmico que se cria
entre o sagrado e o profano traduz a essência do sistema social, permite ao
indivíduo superar sua natureza individualista e conduzir-se moral e eticamente
refletindo a imagem do sagrado.
Durkheim, ao falar da renúncia do ser humano
a seu individualismo, personalidade e egocentrismo, sublinha como a comunicação
entre o sagrado e o profano deve ser feita isto é, por uma ruptura radical
entre os dois mundos. Com efeito, a renúncia a essa vida mundana e a consagração
a uma vida ascética viram as condições sine
qua non para que esta comunicação seja possível e efetiva. Em outras
palavras, o indivíduo não pode tocar no sagrado sem despojar-se completamente
de tudo que revela nele uma vida profana que, por sua vez, precisa dessa
transformação para poder comunicar na linguagem do sagrado. Nesse sentido, ele
sustenta o seguinte:
Em razão da barreira que separa o sagrado do profano, com
efeito, o homem não pode entrar em relações íntimas com as coisas sagradas
senão com a condição de se despojar do que há de profano nele. Ele pode viver
uma vida religiosa um pouco intensa, somente começa por retirar-se mais ou
menos completamente da vida temporal (Durkheim, Ibid., p. 374).
Na verdade, trata-se aqui mais de uma
transição de um estado a outro do que de uma comunicação no sentido de que para
chegar lá, o indivíduo tem de levar uma vida mística, ascética e contemplativa
observando os ritos positivos e negativos que, constituindo os elementos
fundamentais da iniciação, tomam o controle dessa transição. Como o sagrado é
um sistema de proibidos, então, ninguém pode acessar a ele sem passar por uma
vida ascética religiosa[8].
Ao entrar no mundo sagrado, o indivíduo escolheu formar seus caracteres, se
disciplinar e impor a si mesmo uma vida coletiva, porque o sagrado é essência
da coletividade. Portanto, dessa maneira, a relação entre sagrado e profano,
permite entender, do ponto de vista conceptual e funcional, que o sagrado
participa na formação normativa dos indivíduos e a sua valorização no corpo
social. Pois, o sagrado traz outros valores diferentes da personalidade do
indivíduo. Além de confrontar-se com os sentimentos pessoais deste, o papel do
sagrado não é destruir e aniquilar a natureza individualista, mas preparar o
indivíduo não somente a se tornar um ser social, mas também a poder viver na
sociedade com seus sentimentos próprios individualistas, ou seja, a natureza
individualista foi trabalhada e transformada para se adaptar ao ritmo da vida
social e interrelacional. Assim, o sagrado como valor social acrescentado
traduz a completude do indivíduo.
Mas por que o indivíduo precisa assimilar o
sagrado?
Ao entrar em contato com o sagrado, o
indivíduo se integra na sociedade e completa sua natureza individualista, em
outras palavras, por essa integração, o indivíduo se deixa penetrar pelo ser
social, portanto, terá do social ou do sagrado nele. Ele se sente protegido,
confortável e seguro na sua vida econômica, política e social, isso significa
que o sagrado produz um transtorno na natureza profana do indivíduo, que ele dá
confiança, segurança e força ao indivíduo para seu futuro e sucesso que lhe são
garantidos pelas normas sociais. Portanto, é mais vantajoso para o indivíduo
ter social nele atribuindo-se a imagem do sagrado do que se isolar. Cada
indivíduo quer ser um agente reprodutivo do sagrado na imposição de uma vida de
asceta[9].
Assim, o sagrado, ao desempenhar se papel civilizador e socializador, é ao
mesmo tempo desordem e ordem, ruptura e ligação (Durkheim, 1968, op. cit. p.
451).
Lembramos que o sagrado – quer seja inspirado por um objeto ou um ser – pertence à ordem extra cotidiana e atemporal e é a coisa social por excelência. Ele pode ser considerado como o centro dos momentos de veneração e de celebração da vida coletiva durante os quais se produz a solidariedade do grupo que se reúne para manifestar a mesma crença. Nesse sentido, o papel principal das crenças articuladas em torno do sagrado consiste em unir os indivíduos, pois, a religião é também um elemento facilitador da coesão social, ela preconiza a harmonia e trabalha ao estabelecimento de uma solidariedade social entre os indivíduos. O ascetismo não é somente um ato religioso, é também um engajamento social, pois, tão real que seja ela, a sociedade como a única instância coletiva dotada de poder coercitivo, impõe suas regras ascéticas ao indivíduo suscetíveis de elevá-lo acima de si mesmo (Ibid., p. 56; 299-301). Nesse caso, é melhor retomar o argumento de Durkheim:
Lembramos que o sagrado – quer seja inspirado por um objeto ou um ser – pertence à ordem extra cotidiana e atemporal e é a coisa social por excelência. Ele pode ser considerado como o centro dos momentos de veneração e de celebração da vida coletiva durante os quais se produz a solidariedade do grupo que se reúne para manifestar a mesma crença. Nesse sentido, o papel principal das crenças articuladas em torno do sagrado consiste em unir os indivíduos, pois, a religião é também um elemento facilitador da coesão social, ela preconiza a harmonia e trabalha ao estabelecimento de uma solidariedade social entre os indivíduos. O ascetismo não é somente um ato religioso, é também um engajamento social, pois, tão real que seja ela, a sociedade como a única instância coletiva dotada de poder coercitivo, impõe suas regras ascéticas ao indivíduo suscetíveis de elevá-lo acima de si mesmo (Ibid., p. 56; 299-301). Nesse caso, é melhor retomar o argumento de Durkheim:
Mas o ascetismo não serve unicamente para fins religiosos.
Aqui, como alhures, os interesses religiosos não são senão a forma simbólica de
interesses sociais e morais. Os seres ideais aos quais se dirigem os cultos não
são os únicos a reclamar dos seus servidores certo desprezo pela dor: a
sociedade, também, só é possível a esse preço. Mesmo exaltando as forças do
homem, ela, muitas vezes, é rude para com os indivíduos: ela necessariamente
exige deles sacrifícios perpétuos; ela ataca continuamente os nossos apetites
naturais precisamente porque ela nos eleva acima de nós mesmos. Para que possamos cumprir os nossos deveres
em relação a ela, é preciso, pois, que estejamos treinados a, por vezes,
violentar os nossos instintos, a ir contra, quando necessário à inclinação da natureza.
Assim, há um ascetismo que, inerente a toda vida social, é destinado a
sobreviver a todas as mitologias e a todos os dogmas; ele é parte integrante de
toda a cultura humana. E é ele que, no fundo, constitui a razão de ser e a
justificação daquele ensinado pelas religiões de todos os tempos (Ibid., p.
382-383).
O que Durkheim está descrevendo aqui é
exatamente a função da socialização durante a qual a sociedade transmite sua
cultura, seus valores e suas crenças ao indivíduo. Nesse sentido, sua
individualidade se dilui no interesse coletivo. Como todo indivíduo é condenado
a viver em sociedade, então isso não pode se realizar sem que o indivíduo não
sacrifique suas paixões, seus desejos egoístas, sem esforços, enfim, sem uma
superação de si. Mas, nesse processo, a sociedade não deve ser vista como uma
máquina opressora que destrói toda a individuação no homem, além disso, o
indivíduo não pode ser também considerado como um autômato – o que age somente
sob os constrangimentos da sociedade –, pois ele tem uma vontade e age em
função de seus próprios interesses, e é por isso que existe sempre conflito
entre o indivíduo e a sociedade. Trata-se, de preferência, de uma transferência
de valores e de um intercâmbio dos sentimentos entre as duas entidades, a
saber, o indivíduo e a sociedade. Portanto, podemos ressaltar aqui uma
interconexão entre desejabilidade
individualista e constrangimento
social, ou seja, uma interação ou uma inter-relação entre indivíduo e
sociedade. Nesse caso, a sociologia de Durkheim não pode somente ser
considerada como um coletivismo, ela é também atravessada por um individualismo
metodológico que coloca não somente a liberdade individual no centro das
atividades sociais, mas também enfatiza as relações sociais que os indivíduos
se constroem entre si e com as instituições sociais. É necessária essa
interação entre o indivíduo e a sociedade, no qual o sagrado aparece para
consolidar e fortalecer essas relações, garantir o respeito mútuo, proteger o
limite de cada um, e enfim, permitir um melhor funcionamento do corpo social.
Para
o sociólogo francês, as normas sociais, morais e religiosas se apoiam no
sagrado, que é o antepassado comum entre elas. Isso é válido também para os
fatos sociais, ou seja, a sacralidade destes faz da sociedade uma arena de
constrangimento e de obrigação. A expressão de fatos morais é, em Durkheim, sinônima
de fatos religiosos e sociais, e ela permite especificar o comportamento
normativo sobre o plano sociológico. Nos seus diferentes trabalhos[10],
a norma é sempre caracterizada por três elementos, sendo os dois primeiros
intrínsecos, trata-se da obrigação[11]
e da sanção[12],
mas esses dois não são bastante suficientes para que a norma seja eficiente,
daí a importância da expressão de désirabilité[13]
(desejabilidade). A obrigação pode ser vista como a essência, a sanção como a
validade e a desejabilidade como a eficácia. Esse último elemento vai
determinar o resultado da aplicação da regra ver se ela está no interesse das
duas entidades. Pois, se obediência do indivíduo não é inocente nem passiva,
ela tem a ver com certeza com seus interesses, sejam eles, culturais,
econômicos, políticos, intelectuais ou sociais.
Ele vai acrescentando que a norma é uma regra de conduta socialmente sancionada e gerada por uma consciência coletiva, ou seja, pela consciência compartilhada pela metade dos membros de uma sociedade, é uma das razões suscetíveis explicar o caráter obrigatório[14] da norma. O sagrado aparece sempre presente em toda norma e se apresenta como uma força social indiscutida e indiscutível que escapa tanto ao tratamento ordinário reservado às coisas comuns como à objetivação conceptual e linguística, ou seja, não fala a mesma linguagem que a dos indivíduos. Essa força constrangedora que o sagrado está exalando se manifesta de duas maneiras: primeiro, através do aspecto terrível da punição, pela falta cometida, segundo, em virtude da autoridade transcendente, divina e digna de respeito que o caracteriza (Durkheim, 1989, op. cit. p. 241). O sagrado representa para Durkheim o espaço no qual se converge a identidade coletiva no sentido de que ele facilita a formação das consciências coletivas, a constituição organizada dos grupos sociais entre si, enfim, a criação e a vivificação dos relações sociais (Ibid., p. 159).
Ele vai acrescentando que a norma é uma regra de conduta socialmente sancionada e gerada por uma consciência coletiva, ou seja, pela consciência compartilhada pela metade dos membros de uma sociedade, é uma das razões suscetíveis explicar o caráter obrigatório[14] da norma. O sagrado aparece sempre presente em toda norma e se apresenta como uma força social indiscutida e indiscutível que escapa tanto ao tratamento ordinário reservado às coisas comuns como à objetivação conceptual e linguística, ou seja, não fala a mesma linguagem que a dos indivíduos. Essa força constrangedora que o sagrado está exalando se manifesta de duas maneiras: primeiro, através do aspecto terrível da punição, pela falta cometida, segundo, em virtude da autoridade transcendente, divina e digna de respeito que o caracteriza (Durkheim, 1989, op. cit. p. 241). O sagrado representa para Durkheim o espaço no qual se converge a identidade coletiva no sentido de que ele facilita a formação das consciências coletivas, a constituição organizada dos grupos sociais entre si, enfim, a criação e a vivificação dos relações sociais (Ibid., p. 159).
Sobre
o mesmo aspecto da transcendência do sagrado, Durkheim aponta que o sagrado se
enraíza em uma experiência de transcendência de si engendrada pela norma. Ela
facilita ao sujeito-ator um reconhecimento em relação com a autoridade exterior
a sua própria vontade – uma autoridade que faz obstáculo contra seus impulsos
egoístas e seus interesses –, mas constitutiva também da sua identidade. Por
outro lado, Hans Joas, citado por Piras Mauro, sublinha que o sagrado é uma
objetividade transcendente, na sua relação com ele, o indivíduo encontra seu
si, sua própria identidade, constrói seu estima de si numa força que lhe é
exterior. No sagrado se realiza uma experiência de « transcendência de si ».
Isso traduz para o autor uma espécie de projeção do indivíduo ele mesmo no
respeito e na obediência manifestados com respeito ao sagrado (Piras, 2004, p.
8). Nesse caso, como só a sociedade possui até lá essa capacidade de colocar o
indivíduo numa experiência de transcendência na qual se envolve o sagrado,
então podemos dizer que o sagrado é o que a sociedade tem como mais precioso
para ter a garantia do respeito dos seus valores. Ele constitui também o lado
intolerante da sociedade ao não aceitar contradição, oposição e crítica. Assim,
podemos apontar que a força constrangedora e motivacional do sagrado que
circula entre os indivíduos, como percebido em Durkheim, está oriunda do
sagrado mesmo e se mantém até nas sociedades laicizadas graças a esse caráter
sacral dos fundamentos normativos.
Em Weber, a constatação não é tão diferente
no sentido de que, por exemplo, na cultura religiosa islâmica, africana e das
sociedades antigas, ele descobriu que o direito se funda no sagrado. Com
efeito, nas sociedades muçulmanas, o livro sagrado, chamado o Corão, se
responsabiliza para isso. Na África, a palavra do direito deve ser pronunciada
por um chefe carismático religiosamente habilitado e legitimo. Encantados, os
membros dessa sociedade percebem tudo como fato da revelação do sagrado. Assim,
em todas essas sociedades, até o julgamento e o pronunciamento das sentenças
nos tribunais se fazem em nome do sagrado, seja um deus ou um ser espiritual ou
sobrenatural, não em nome da humanidade ou da sociedade. A interpretação de
Weber desse caso, além da dicotomia sagrado/profano, se refere à palavra extra cotidiano, que parece ser sinônimo
do sagrado, no sentido da oposição entre cotidiano
e extra cotidiano sabendo que tudo que é cotidiano é profano, em contraste,
tudo que é extra cotidiano é a fortiori
sagrado. O extra cotidiano se
manifesta pelo meio do carisma, portador de valores. O social, o cultural, o
político e o econômico, enfim quase tudo está regulamentado pelo sagrado na
Índia como na China. Assim, quando estivermos falando do sagrado, a primeira
imagem que vem na cabeça é o respeito, a reverência e a inviolabilidade de tudo
que é produto da sociedade e que a rege: as instituições (política, economia e
direito), as regras de ética, os costumes, as regras do decoro, as tradições
(Weber, 1971).
Os seres espirituais pertencem ao que Weber
chama de ordem extra social, então, o sagrado para ele se refere ao extra
cotidiano, que simboliza as forças extraordinárias que o ser humano é incapaz
de controlar. O extra cotidiano tem por função produzir fenômenos muito
excepcionais como êxtase, curas terapêuticas, manifestações meteorológicas,
obras divinatórias etc. Ele é o produto do carisma[15],
uma qualidade que valida cada vez mais os agentes religiosos para que a
autoridade que pretendem impor seja levada a sério. O carisma é um dom, isto é,
uma qualidade intrínseca a algumas pessoas conferida por um poder sobre-humano,
seja ele, mágico ou religioso.
No
sentido do princípio universal, o carisma se adquire ao longo do tempo
cumprindo ações que vão no sentido de um ascetismo religioso, de uma vida
ética, de uma atitude moral, então, ele não é inato. Nos argumentos de Weber,
podemos sublinhar que o sagrado e o carisma são os mesmos atributos, ou seja,
palavras diferentes para falar da mesma realidade socio-religiosa ou mágica.
Nesse caso, cada ser humano seria habitado pelo sagrado ou por um carisma, no
sentido de um princípio impessoal. É por isso que o carisma pelo qual o
sacerdote ou o mágico está animado o rodeia de uma alta sacralidade, ou seja,
um ser consagrado e excepcionalmente separado do mundo comum pelas razões
sociais e religiosas específicas. Por exemplo, estar em êxtase é um estado
mental estreitamente reservado a todo personagem carismático. É durante a
manifestação desse êxtase em presença de todo mundo que o carisma se afirma e
pode se confirmar. Então o êxtase – menos acessível aos profanos – é uma
manifestação social e coletiva durante a qual a qualificação carismática se
revela mais eficaz (Weber, 1970, p. 429-431).
O êxtase, diz ele, é um estado ao qual o profano acessa
apenas ocasionalmente. Ao contrário da magia racional, a orgia é a forma social
sob a qual o êxtase se produz, é a forma primitiva da comunalização religiosa.
A orgia é apenas uma atividade ocasional, enquanto a empresa permanente do mago
é imprescindível para a direção da orgia. Como os desejos da vida cotidiana, o
profano não conhece o êxtase como uma bebedeira necessariamente ocasional. Para
produzi-la, se pode empregar todas as bebidas alcoólicas, o tabaco e os
narcóticos similares e, fora destes, sobretudo a música (Weber, 2003, p. 431).
(Nossa tradução)
Obedecendo às normas religiosas, o indivíduo
se agrada a si mesmo e se sente mais seguro. Nesse sentido, diz Weber, o
indivíduo consagra seu próprio destino às forças divinas e invisíveis para
assegurar sua ascensão social e sua prosperidade econômica, tudo isso, na base
de uma profunda crença. A partir daí, a religião é útil econômica e socialmente
para os indivíduos porque gera um comércio de valores e de interesses entre
eles e o divino. Para isso, ele precisa respeita as normas que podem levar a
esse estatuto (Weber, 1904-1905; 1971; 2003). Durkheim e Weber, no âmbito da
relação entre indivíduo e sociedade – embora em termos diferentes – concedem
uma atenção particular à noção de normas na medida em que o comportamento
normativo parece mais favorável à opinião coletiva para levar a uma vida
individual e social melhor, pois, as normas sociais são geralmente consideradas
como fortes e imponentes e, nesse sentido mesmo, têm um fundamento sacral.
Diferentemente de Durkheim, Weber, apesar de
não ter tematizado o sagrado nem o colocado no centro das suas argumentações
relativas a uma teoria do elo social normativo de maneira bem clara, sua ênfase
foi colocada por enquanto na tradição que, na percepção dele, tem também um
caráter sagrado, porque a maioria das tradições tem sempre uma fonte sagrada ou
se assimila a um ser sagrado. Para ele, os fenômenos mágicos, sendo sociais,
participaram também de maneira muito significativa na construção das normas
sociais. No âmbito do respeito das normas pelo indivíduo, Weber se interessa
mais pela relação sujeito/objeto em que o indivíduo é o sujeito na plenitude da
sua natureza humana e individualista e o objeto representa as normas sociais ou
em resumo o exterior. Ele leva em conta quais são os motivos que suscitam o
indivíduo a se conformar a essas regras e quais são suas motivações ao
respeitá-las. Nesse sentido, Weber, colocando o indivíduo no centro da ação
social, está querendo submetê-lo a um exame psicosociológico na medida em que
procura descobrir suas intenções. Aqui, surge a relação
subjetividade/objetividade, ou seja, o sentido visado pelo autor da ação e o
objeto de reflexão que, existindo antes dele, acaba de criar uma rivalidade
entre o objetivo fixado pelo indivíduo e a realidade social objetiva que se
apresenta na frente dele e condiciona, de certo modo, seu comportamento. Apesar
desse caráter sagrado, as normas sociais não devem ser vistas fora dos
sentimentos e das mentalidades individuais. Assim, com Weber, o sagrado se
relaciona com a questão de conduta social que evolui no tempo e no espaço e
pode se realizar só no respeito das normas de ordem racional, ética e moral (Weber,
1971, Op. cit.,).
2. AS
NOÇÕES DO TEMPO E ESPAÇO NO SAGRADO
A oposição entre sagrado e profano toca num
outro problema que vale a pena ser sublinhado aqui, ao menos sucintamente.
Trata-se da noção do tempo e do espaço. No funcionamento da vida social e
coletiva, o tempo sagrado não se mistura com o tempo profano, também, na
manifestação das festividades religiosas existe espaço estritamente reservado
ao sagrado e ao profano para marcar sua heterogeneidade. Com efeito, no sentido
de Durkheim e de Weber, o tempo se refere aos períodos de grandes manifestações
e efervescências sociais, culturais e religiosas (o Intichiuma para Durkheim e o êxtase mágico para Weber), então o
tempo é primeiro o tempo social e o espaço a delimitação da coletividade. As
instituições sociais funcionam em termos periódicos e a sociedade corresponde a
vários fragmentos temporais e espaciais, assim, o sagrado, afirma Durkheim, se
atribui peremptoriamente períodos bem específicos durante os quais todas as
atividades profanas são excluídas. É por isso que existem festas religiosas
separadas das festas ordinárias ditas também mundanas.
Eliade (1992) quer ir mais longe aprofundando
essa caracterização da noção de tempo. O tempo na percepção do homo religius não é homogêneo nem
contínuo, o tempo compreende também a divisão entre o sagrado e o profano. O
tempo sagrado então pretende ser a duração temporal na qual se inscrevem os
atos privados da vida social e religiosa. Pelo meio dos ritos, o homem
ordinário pode transitar – sem correr nenhum risco – entre o tempo profano e o
tempo sagrado. Por outro lado, o tempo é em si mesmo reversível, recuperável e
constitui uma espécie de eterno presente. Em outras palavras, o tempo sagrado
não tem início nem fim, embora as festas religiosas precisem ser executadas em
períodos especiais que não serão os das festas ordinárias ou mágicas. Assim, o
ser religioso, como todo homo
sociologicus, compartilha sua existência entre dois períodos ou círculos de
vida cujo mais importante é o do sagrado (Eliade, 1992, p. 59-62).
Sobre esse último aspecto, parece
que a divisão temporal da sociedade em períodos distintos: tempos de trabalho,
de prazer, de oração, de lazer, de espetáculos – o que é chamado em grosso modo de tempos festivos e tempos
sagrados –, é o ponto de encontro entre religiosos e não religiosos. Isso é
mais que um fato, tanto para o religioso, como para o profano. Mas, a diferença
vai surgir na apreciação dessa divisão. Com efeito, para o ser religioso, o
tempo sagrado é o dos deuses, indispensável para realizar as festividades
religiosas em honra deles. Ele é primordial e santificado tanto para os deuses
como para seus adoradores, isso significa no vocabulário eliadiano que as
festas religiosas lembram os grandes momentos míticos vividos pela humanidade e
renovam, por conseguinte, o tempo sagrado, que é a obra exclusiva dos deuses.
Porém, para o não religioso ou profano, o tempo não apresenta ruptura nenhuma nem
mistério, ele constitui a mais profunda dimensão existencial do homem, ele é, portanto,
ligado a sua própria existência, ou seja, marca o início e o fim da existência
(Ibid., p. 61).
No caso do espaço, a constatação é a mesma,
entre o sagrado e o profano há uma repartição territorial ou espacial rigorosa,
essa divisão que podemos chamar de divisão sacro-geográfico-espacial
(grifo nosso) se expressa na instituição e na institucionalização dos templos e
dos santuários que são, segundo Durkheim, porções de espaços exclusivamente
reservados e afetados às coisas sagradas (Durkheim, 1989). O templo ou todo
tipo de lugar santo traduz a separação entre o espaço puramente social e o
espaço religioso. Ambos têm um ponto comum: É que eles são um campo de
socialização que normaliza e regulamenta o comportamento dos indivíduos.
Encontramos também essa tradição na religião judaica, em que o templo é separado entre Lugar Santo, reservado aos fiéis, e Lugar muito Santo, ao qual o acesso é
permitido só aos sacerdotes. Isso mostra alguma restrição entre os sagrados, o
que Durkheim interpreta como sagrado puro e sagrado impuro. Ou seja, apesar de
ser em si a priori sagrado, o templo
é dividido em duas partes, em que uma é mais sagrada que a outra, então os
objetos sagrados no Lugar Santo são impuros ou profanos em relação aos que se
encontram no Lugar muito Santo (Weber, 1971).
Para o ser
religioso, segundo Eliade, o espaço não é homogêneo porque apresenta algumas
rupturas e fraturas, esta não homogeneidade traduz a experiência da oposição
entre espaço sagrado – o único que seja real e que exista realmente – e espaço
restante (Eliade, op. cit., p. 21). Mas na visão do profano, essa divisão entre
espaço sagrado e espaço não sagrado não se opera, o espaço é homogêneo e
neutro, é um conjunto de fragmentos de um universo quebrado, uma infinidade de
lugares mais ou menos neutros, onde o homem material está se movendo, sendo sempre
comandado e controlado pelas obrigações e exigências da vida social. Assim, se aos
olhos do homem religioso, o espaço está à origem de um princípio sagrado, um
espaço construído à imagem dos deuses, aos olhos do profano o espaço é o que é,
ou seja, tudo que pode ser observado por uma experiência geométrica: o espaço
geométrico pode ser cortado e delimitado em qualquer direção, mas sem qualquer
diferença qualitativa, então sem qualquer orientação de sua própria estrutura.
Portanto, o profano rejeita o caráter sagrado do espaço e qualquer outro
pressuposto que concederia ao espaço uma natureza religiosa (Ibid., p. 22-23).
3. O SAGRADO COMO PRODUÇÃO CULTURAL
O sagrado pode ser considerado a ideia mãe da
religião e esta tem como papel de administrá-la e perpetuá-la. Então, os
componentes da religião, que são ao mesmo tempo coisas sociais como, por
exemplo, mitos, ritos, dogmas, lugares santos, orações, crenças, sacrifícios,
cultos etc., não podem escapar a essa sacralização. Voltando aos sentimentos de
temor, de respeito, de veneração, de boa conduta inspirados pelo sagrado,
Callois acrescenta que o sagrado é sinal de progresso e de sucesso tanto pelo
indivíduo pessoalmente como pelo corpo social (Callois, op. cit. p. 18-20).
Assim, vai abaixo sua concepção do sagrado e profano:
“Em resumo, nos diz Callois, o domínio do profano se
apresenta como aquele de uso comum, o dos gestos que não necessitam de nenhuma
precaução e que se mantêm na margem geralmente estrita deixada ao homem para
exercer sem constrangimento sua atividade. O mundo do sagrado, ao contrário,
aparece como perigoso ou do defendido: o indivíduo não pode se aproximar dele
sem abalar as forças em que ele não é o mestre e perante as quais sua fraqueza
se sente desarmada. Porém, sem seu recurso, não é de ambição que não seja
destina ao fracasso. Nelas, residem a fonte de todo sucesso, de toda potência,
de toda fortuna. Mas se deve temer, solicitando-as, ser sua primeira vítima”
(Callois, Ibid., p. 24-25). (Nossa tradução).
Outros autores como, por um lado, Brelich e
Pettazzoni citados por Marcelo Massenzio (1999) no seu livro Sacré et identité éthnique: frontières et
ordre du monde, que vão chamar nossa atenção sobre a profundidade cultural
do sagrado, e Mircea Éliade que vai enfatizar a maneira de que o sagrado se
manifesta diferenciando essa manifestação nos objetos e no homem, vão nos
ajudar a aprofundar o sentido do sagrado.
Segundo Brelich e Pettazzoni, o sagrado é uma
produção cultural. Com efeito, Brelich sustenta que o sagrado é uma produção
humana, ou seja, o que a intervenção dos fatores históricos, além da realidade
em si, poderia tornar possível. Pettazzoni, por seu lado, tomou o exemplo da
sacralidade dos mitos que têm uma relevância crucial na formação da ordem do
mundo. Mito e realidade humana, acrescenta ele, estão ligados do mesmo modo que
o domínio do sagrado está ligado com o domínio do profano. Do outro lado, ele
vai um pouco mais longe dizendo que o mito é uma história verdadeira porque se
trata de uma história sagrada não apenas no seu conteúdo, mas também através
das forças que ela está usando para se tornar mais concreta. Nesse sentido, os
dois autores não veem no sagrado uma realidade à priori, mas como componente,
ele é o produto e de volta produtor da dinâmica cultural que caracteriza a
formação de cada civilização. Para Brelich, a oposição entre sagrado e profano
pode ser comparável à dinâmica da crise tensa entre natureza e cultura, sua resolução é um dado permanente de
condição humana. Indo no mesmo sentido, Massenzio aponta que a festa em geral,
e as festas religiosas e os grandes eventos sociais e culturais em particular,
dividem o tempo sagrado e o tempo profano[16]
(Massenzio, 1999, p. 25-28).
“O sagrado tem um papel no processo da superação da crise
e, paralelamente, da afirmação da cultura, se se considera de novo sua função
de dominação da incerteza e da atribuição de um senso humano à realidade assim
subtraída à contingência. O sagrado, na medida em que é culturalmente
delimitado, opõe ao negativo o valor positivo” (Massenzio, op. cit. p. 31-32).
(Nossa tradução).
Mircea Éliade[17],
por sua vez, nesse mesmo âmbito do papel do sagrado na socialização do
indivíduo, nos propõe, em um brilhante estudo sobre a história das religiões,
uma maneira original de enxergar a manifestação do sagrado no ser animado ou no
ser inanimado. Ele sustenta que o conhecimento que o homem possui do sagrado
lhe foi dado pela manifestação do sagrado ele mesmo, em outras palavras, se o
sagrado não se mostra nem se revela, é difícil conhecê-lo. Ao contrário, o profano
não precisa se manifestar porque já está na vida comum e é visível a todo
mundo, então não exige esforços espirituais e intelectuais como no caso do
sagrado. O sagrado é um mundo separado, o do mistério, às vezes incompreensível
e até impenetrável pelo ser profano. Eliade usa a palavra hiérophanie para designar o que ele está entendendo pela
manifestação do sagrado; essa palavra se traduz etimologicamente assim: quelque chose de sacré nous est révélé
(alguma coisa de sagrado nos é revelado), isso quer dizer que o conhecimento do
sagrado só pode chegar até o indivíduo pela revelação, revelação no sentido de
um processo de formação e de normalização da sua conduta na sociedade. É por
isso, diz ele, que a história das religiões – dos mais antigos até os mais modernos
– se constrói na base des hiérophanies,
segundo as manifestações das realidades sagradas. Para ele, existe a diferença
clara entre o sagrado que se manifesta nos objetos (pedras, árvores, rios
etc.), o que vai chamar de hiérophanie
élémentaire. Quanto ao sagrado que se encarna no homem, ele deu o nome hiérophanie suprême. Por exemplo, para o cristão Deus se encarnou em
Jesus Cristo e é isso que permitiu ao mundo de ter outro sentido, nessa óptica,
a manifestação do sagrado, sublinha ele, funda ontologicamente o mundo (Eliade,
1992, p. 22).
Porém,
entre as duas hiérophanies, Eliade
não enxerga uma solução de continuidade; nós estamos, segundo ele, em presença
de um mesmo ato misterioso que é a manifestação de alguma coisa de ordem
diferente – de uma realidade diferente que não pertence ao nosso mundo – em
objetos que fazem parte integral do nosso mundo natural e profano. O que Eliade
está querendo elucidar, é que a oposição entre sagrado/profano se refere
geralmente à oposição entre real e irreal, entre racional e irracional. Com
efeito, pelo ser religioso, o sagrado é o real por excelência, ele é ao mesmo
tempo poder, eficiência, fonte de vida e de fecundidade. A pedra, a árvore, o
rio etc., nos quais se manifesta o sagrado, não são venerados somente porque
são o que são, ou seja, pela sua propriedade natural, mas de preferência em
razão do fato de que neles reside um princípio sagrado, eles revelam algo que,
saindo do ordinário e do cotidiano, não é a pedra nem o rio tampouco a árvore,
mas o sagrado. Portanto, toda a adoração está sendo oferecida a esse ser
sagrado que habita em tal objeto e não ao objeto em si. Isso subentende que nos
olhos do ser religioso esses objetos não são feitos apenas de um princípio
natural, mas também de um princípio espiritual; ao contrário, nos olhos do
profano, essas coisas permanecem fisicamente como são na natureza sem levar em
conta a presença de qualquer espiritualidade. O homo religius busca uma superação de si espiritualmente, por
conseguinte, quer se manter mais fortemente possível conectado com o universo
sagrado por que dele vem algo de sobrenatural e de sobre-humano, é por isso que
não pode interpretá-lo da mesma maneira que o profano. Sobre esse último
aspecto, Eliade sustenta o seguinte:
“Manifestando o sagrado, um objeto qualquer se torna
coisa sagrada, não obstante, continua a permanecer ele mesmo, porque continua
participando do meio cósmico do qual está oriundo. Uma pedra sagrada não é
menos uma pedra; aparentemente (para serem mais exatos, do ponto de vista
profano) nada o distingue demais de todas as pedras. Aos olhos daqueles para
quem uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata se transmite em uma
realidade sobrenatural. Em outras palavras, para os que têm uma experiência
religiosa, toda a natureza é suscetível de se revelar como sacralidade cósmica.
O cosmos, na sua totalidade, pode se tornar um hierofania” (Eliade., op. cit.
p. 15-16). (Nossa tradução).
Precisamos lembrar que, apesar de enfatizar
suas pesquisas nas sociedades hinduístas, o objetivo principal de Eliade era
entender a partir do conceito do sagrado outras maneiras de pensar, de estar,
de agir e de acreditar que não seriam as dos valores ocidentais. De fato, ele
descobriu que para o indivíduo das sociedades antigas, o sagrado é sinônimo de
poder, de potencialidade, de perenidade, de excelência e de eficácia. É por
isso que, na sua busca, ele se esforça a participar nessa realidade sacral
saturando-se desse poder. Muito idêntico ao de Durkheim, o projeto de Eliade
ressalta em resumo duas maneiras de estar, agir e pensar no mundo: sagrado ou
profano, isto é, ou se toma o mundo como é, ou se questiona à medida que puder
seu fundamento (Ibid., p. 16-17).
A importância da tese de Eliade é que
nos ajuda a entender melhor a dualidade do mundo no qual estamos vivendo. Um
mundo que separa tudo: Os bons dos ruins, os ricos dos pobres, os religiosos
dos irreligiosos ou ateus, os dominantes dos dominados, os governantes dos
governados, os exploradores dos explorados, enfim, um mundo onde alguns se
impõem e escolhem a si mesmos um lugar de privilégio, enquanto outros são
reduzidos à servidão, a posições inferiores para evitar todo tipo de contágio.
Para isso, um mundo no qual a exclusão é o pensamento dominante. Ao comparar o
sagrado e o profano e ao definir a relação entre o indivíduo com o sagrado,
assim como as consequências dessa relação na vida dele e no âmbito das suas
relações com seu semelhante, Eliade está dando uma descrição muito interessante
desse mundo dominado pela exclusão e pela desigualdade que, infelizmente,
ameaçam a coesão social.
CONCLUSÃO
Em resumo, a socialização dos indivíduos pelo
sagrado passa essencialmente por um trabalho de transformação e de confecção do
ser profano, que ficou fortemente agarrado a sua natureza individualista para
que possa se tornar um ser completo e um produto finito para tomar seu lugar no
seio da sociedade. Então, o estado sagrado parece ser a última etapa
socializadora à qual o indivíduo pode chegar. Ao assimilar os valores e
símbolos do sagrado, o indivíduo é transformado em um ser eminentemente social
e socializado. Ao esforçar-se a encarnar o sagrado, o indivíduo acaba de fazer
seus os valores morais e éticos da sociedade. Assim, pelo meio do sagrado, a
socialização é percebida como um processo formativo, transformador e
socializador. Seu papel, tanto do ponto de vista da vida social como
individual, nos ensina duas coisas: Primeiro, a sociedade, sendo em si muito
conformista e cada vez mais sensível para o respeito das suas normas, é o agente
regulador das condutas sociais, segundo, a relação entre o indivíduo e a
sociedade é sempre conflituosa.
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________________________________________________________
[1]Os mecanismos da socialização
segundo Guy Rocher são a motivação social, o aprendizado, a herança ou o
influência do meio social e a imitação. Os agentes da socialização são também
diversos que variados, todavia, se compreende a família, a escola, os grupos de
idade, as empresas, os sindicatos, os movimentos sociais e as técnicas de
comunicação de massa. Mas, esses agentes não estão flutuando no ar, eles
pertencem mesmo bem assim a um meio socioambiental pela mediação do qual eles
transmitem a sua geração tal tipo de cultura, desse fato, para entender como
transmitem sua cultura, é preciso integrá-los no meio social ao qual pertencem.
Por isso, entre os meios de socialização os mais influentes Rocher distingue o
ambiente rural e urbano, os grupos racial, étnico e cultural, as classes
sociais, etc. Assim, se pode dizer, a socialização está subordinada aos
mecanismos, aos agentes e aos meios (Rocher, 1971, p. 21-67).[2] Dubar, 1995, p. 7-128.
[3] Callois,
1950, p. 18-19.[4] ISAMBERT, François. Le sens du sacré.
Paris, Minuit; 1982, III Partie.
[8] “A luz desses fatos, pode-se compreender o
que é o ascetismo, que lugar ocupa na vida religiosa, e de onde vêm as virtudes
que lhe foram geralmente atribuídas. Não há, com efeito, proibição cuja
observância não tenha, em alguma medida, caráter ascético. Abster-se de alguma
coisa que pode ser útil ou de alguma forma de atividade que, por ser usual,
deve corresponder a alguma necessidade humana, é, necessariamente, impor-se
mortificações e renúncias. Para que haja ascetismo propriamente dito, basta, pois,
que essas práticas se desenvolvam de maneira a tornar-se a base de verdadeiro
regime de vida” (Durkheim, 1989, Ibid., p. 376).
[10] Durkheim, 1893; 1963; 1912; 1969a; 1969b;
1924; 1970.
[14] Durkheim, 1893, op. cit., p. 23-24.
[16] “A festa, diz ele, é nitidamente desapertada
como "tempo sagrado" do tempo cotidiano, pela suspensão das
atividades habituais (trabalho). Ela é, além disso, marcada pela substituição
de uma comida solene aos alimentos ordinários ou pelo jejum. Se substitui as
roupas de todos os dias pelas roupas de festa. Desse modo, a festa libera o
tempo profano para as atividades práticas que são assim liberadas de um regime
sagrado peculiar. O grupo humano manifesta uma tendência análoga quando ele
confia as funções sagradas a algumas pessoas, se bem que as outras se encontram
em parte liberadas delas” (Op. cit. p. 32). (Nossa tradução).
[3] Callois,
1950, p. 18-19.[4] ISAMBERT, François. Le sens du sacré.
Paris, Minuit; 1982, III Partie.
[5] HERVIEU-LÉGER, Danièle. La religion pour
mémoire. Paris: Cerf; 1993, chap. III.
[6] “É sagrado o ser, a coisa ou a ideia a
que o homem suspende toda sua conduta, o que ele não aceita de colocar em
discussão, de ver ridicularizar ou brinca, o que ele não renegaria nem trairia
a nenhum preço. Para o apaixonado, é a mulher que ama; para um artista ou
cientista, a obra que eles prosseguem; para o avarento, o ouro que acumula;
para o patriota, o bem do Estado, a salvação da nação, a defesa do território;
para o revolucionário, a revolução. É absolutamente impossível distinguir de outra
maneira que por seu ponto de aplicação essas atitudes da do crente perante sua
fé: elas exigem a mesma abnegação, elas supõem o mesmo engajamento
incondicional da pessoa, um mesmo ascetismo, um igual espírito de sacrifício.
Sem dúvida, convém lhes atribuir valores diferentes, mas aí está outro problema.
Basta observar que elas implicam o reconhecimento de um elemento sagrado, cerca
de fervor e de devoção, cujo se evita de falar e se esforça de dissimular, de
medo de expô-lo a qualquer sacrilégio (injúria, brincadeira, ou até simples
atitude crítica) do lado dos indiferentes ou de inimigos que não sentiriam nenhum
respeito a seu respeito” (Callois,
1950, op. cit. p. 177). (Nossa tradução).
[7] “Sem dúvida, essa interdição não saberia ir até tornar impossível toda comunicação entre os dois mundos; pois se o profano não quer de jeito nenhum entrar em relação com o sagrado, este não serviria a nada. Mas, além de que essa tomada em relacionamento seja sempre, por ela mesma, uma operação delicada que reclama algumas precauções e uma iniciação mais ou menos complicada, ela não é até possível sem que o profano perca seus caracteres específicos, sem que ele se torne ele mesmo sagrado em alguma medida em algum degrau. Os dois gêneros não podem se aproximar e guardar ao mesmo tempo sua natureza própria” (Massenzio, 1999, p. 55). (Nossa tradução).
[8] “A luz desses fatos, pode-se compreender o
que é o ascetismo, que lugar ocupa na vida religiosa, e de onde vêm as virtudes
que lhe foram geralmente atribuídas. Não há, com efeito, proibição cuja
observância não tenha, em alguma medida, caráter ascético. Abster-se de alguma
coisa que pode ser útil ou de alguma forma de atividade que, por ser usual,
deve corresponder a alguma necessidade humana, é, necessariamente, impor-se
mortificações e renúncias. Para que haja ascetismo propriamente dito, basta, pois,
que essas práticas se desenvolvam de maneira a tornar-se a base de verdadeiro
regime de vida” (Durkheim, 1989, Ibid., p. 376).
[9] “O asceta puro é homem que se leva acima dos
homens e adquire santidade particular através de jejuns, de vigílias, de retiros
e de silêncio, em uma palavra, por privações mais do que por atos de piedade
positiva (oferendas, sacrifícios, orações etc.) A história mostra, por outro
lado, a que alto prestígio religioso é possível chegar por essa via: o santo
budista é essencialmente asceta, e é igual ou superior aos deuses” (Durkheim, 1989, op. cit. p. 377).
[10] Durkheim, 1893; 1963; 1912; 1969a; 1969b;
1924; 1970.
[11] Nos textos escritos entre 1893 e 1900, em
particular, Leçon de Sociologie,
Durkheim definiu o elemento essencial de toda regra pela sanção (Leçon de Sociologie, p. 41). Isso não
significa de jeito nenhum que a sanção constitui o fato moral, ela é, de
preferência, o lado exterior, visível e objetivado do verdadeiro fundamento
constitutivo da norma, ou seja, seu caráter obrigatório: não há regra moral
onde não há obrigação (Durkheim, 1893; p. 30). (Nossa tradução).[12] “A sanção é uma consequência do ato que não
resulta do conteúdo do ato, mas do que o ato não está de acordo com uma regra
estabelecida” (Durkheim, 1924, p. 61-62).
(Nossa tradução).
[13] Após se ter concordado com o caráter obrigatório das normas segundo a teoria kantiana, Durkheim, criticando Kant por ter limitado as normas a esse único aspecto, sustenta nos seus escritos datando de 1901-1902, mais particularmente em Educação moral (1903), que os homens não obedecem às normas unicamente por obrigação, mas também pela atração. Segundo ele, o eudemonismo merece fazer parte do agir normativo, pois a eficácia da conduta moral depende em maior parte do que ele chama « energia psicológica », isto é, o fim moral é tanto bom quanto desejável, visto que se reconhecendo a ele, ele se torna um bem comum para o qual todo mundo tende (Ibid., p. 63-64). Todavia, ele reconhece também que, para que ela seja efetiva, essa atração deve participar do caráter da obrigação. Assim, insistiu ele sobre o caráter ao mesmo tempo recíproco e prioritário das normas, ou seja, o fato moral não está presente que lá onde há obrigação ao mesmo tempo há desejo do bem senão a força motivacional não teria sua razão de ser no cumprimento do dever (Ibid., p. 64-65, 67).
[14] Durkheim, 1893, op. cit., p. 23-24.
[15] “São, sobretudo, senão exclusivamente, esses
poderes extraordinários que foram designados por nomes particulares como mana, orenda, o iraniano maga (donde: magia). Daremos doravante o
nome de « carisma » a esses poderes extraordinários. O carisma pode ser de duas
espécies. Ou é um dom aderindo pura e simplesmente a um objeto ou a uma pessoa
que o possui por natureza, e não pode ser adquirido de nenhuma maneira: nesse
caso somente ele merece esse nome na toda força do termo. Ou ele pode ser
produzido artificialmente em um objeto ou uma pessoa por algum meio extraordinário”
(Weber, 2003, p. 430). (Nossa tradução).
[16] “A festa, diz ele, é nitidamente desapertada
como "tempo sagrado" do tempo cotidiano, pela suspensão das
atividades habituais (trabalho). Ela é, além disso, marcada pela substituição
de uma comida solene aos alimentos ordinários ou pelo jejum. Se substitui as
roupas de todos os dias pelas roupas de festa. Desse modo, a festa libera o
tempo profano para as atividades práticas que são assim liberadas de um regime
sagrado peculiar. O grupo humano manifesta uma tendência análoga quando ele
confia as funções sagradas a algumas pessoas, se bem que as outras se encontram
em parte liberadas delas” (Op. cit. p. 32). (Nossa tradução).
[17] Eliade, M. (1992). O sagrado e o profano.
São Paulo, Brasil: Martin Fontes.
Campinas, 12 de Agosto de 2015
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