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O CONCEITO DE ARENA SOCIAL

RENN, Ortwin. The social Arena Concept of Risk Debates in KRIMSKY, Sheldon e GOLDING, Dominic. Social Theories of Risk. London: Praeger, 1992, p. 179-196.

RESENHA
A noção de Arena foi usada na civilização greco-romana para designar um espaço de combate entre os gladiadores pela gloria, pela honra e pelo reconhecimento. Hoje o mesmo tema se refere a um campo ideológico onde interagem vários atores (sociais e políticos) com interesses diferentes. Existe uma diferencia entre arenas públicas e arenas sociais. Arena social deve ser entendida como um espaço de encontro entre os atores para discutir situações problemáticas, tomar decisões e elaborar programas de ação. Arena pública designa um palco de enfrentamento entre diferentes pretendentes a uma propriedade de problemas públicos diante dos espectadores (Gisele e Jussara, 2003: 89-90). Num livro publicado em 1992 sob a direção de Krimsky Sheldon e Golding Dominic chamado “Social theories of risk”, o sociólogo alemão Ortwin Renn consagrou um capítulo ao tema de Arena colocando-o em relação com a noção de risco. É importante lembrar que o tema de risco constitui um dos principais campos de pesquisa de Renn sobre o qual ele já escreveu bastantes obras cujas mais recentes são: The Risk Society Revisited. Social Theory and Governance e Risk Governance of Offshore Oil and Gas Operations, ambas publicadas em 2014[1]. Tem que sublinhar também que na realização destas obras vários autores participaram.

Com efeito, Renn começa o capítulo sete do livro de Sheldon e Dominic por um recadinho sobre as grandes ideias que constituíram o conteúdo essencial do capítulo 3 do mesmo livro em que ele destacou as forças e as fraquezas das abordagens do ator racional, das abordagens estrutural e construtivista. Segundo ele, cada uma dessas abordagens há uma dificuldade em relação com as perspectivas sociológicas e culturais. Por exemplo, a abordagem estrutural tem a dificuldade de não poder explicar o comportamento individual. Do outro lado, ele ressaltou algumas críticas sobre a teoria cultural em particular. Se essa teoria, diz ele, é capaz de explicar os conflitos entre os grupos culturais, porém, ela tem a dificuldade de ser incapaz de esclarecer como esses conflitos podem ser gerados nos grupos multiculturais (Renn, 1992: 179-180).

Como intitulada, a obra de Sheldon trata da questão das teorias sociais do risco, nela Renn aborda a questão de Arena social do risco. Esse capítulo se articula em torno de duas grandes ideias: a estrutura básica em relação com o conceito de Arena e a aplicação da teoria de Arena ao problema de risco. O tema de Arena tal como tratado pelo autor nesse capítulo deve ser entendido em três aspectos: os debates políticos, as questões de risco e o comportamento dos atores. Assim, o objetivo de Renn é mostrar que numa Arena política, os grupos sociais reúnem muitos recursos e conjugam muitos esforços para influenciar as decisões políticas e coletivas. Como hipótese ele pretende defender que as ações dos indivíduos e das organizações, isto é, as ações coletivas, podem ter uma grande influência sobre o processo político desde que têm recursos suficientes para fazê-lo (Ibid.).

O conceito de Arena social, segundo o autor, não tem nada ver com um espaço geográfico ou um sistema organizacional, ele é uma metáfora que designa um lugar simbólico onde acontecem as ações políticas suscetíveis influenciar as decisões coletivas (Ibid. p. 181). O papel das arenas é descrever as ações políticas dos atores sociais envolvidos num problema específico. Assim, a Arena se torna um espaço virtual no qual são integradas as ações dos indivíduos ou grupos coletivos, tais ações estão destinadas a influenciar as decisões políticas. Atores políticos, a coletividade e o espaço onde as ações se produzem, representam os principais elementos constitutivos desse lugar simbólico chamado Arena. Na Arena política, existem vários tipos de arenas que podem ser chamadas sub-arenas: administrativas, judiciárias, legislativas, científicas ou as mídias. Ao influenciar as ações políticas, os grupos sociais estão buscando avaliar os progressos sociais a fim de verificar se seus objetivos foram alcançados ou se precisam prossegui-los com novas estratégias e alternativas (Ibid. p. 182). Como foi dito acima, nessas diversas arenas, alguns atores podem desejar concentrar suas ações só numa, enquanto outros grupos têm interesse por duas ou mais arenas, isso cria uma relação recíproca entre as arenas. Mas, como tudo campo de ação, a cada arena suas próprias regras que os atores têm que respeitar mesmo se alguns dentre eles podem, deliberadamente, escolher não respeitar algumas regras no caso seguinte:
« Arenas are regulated by norms and rules, however, which limit the range of potential options. Actors may decide to ignore some of the rules if they feel that public support will not suffer and if the rule enforcement agency is not powerful enough to impose sanctions on actors who violate the rules » (Ibid. p. 184).

Portanto, isso significa por Renn, de um lado, que o comportamento dos atores e as ações que acontecem nas arenas podem mudar as suas regras, o resultado esperado da arena é ainda indeterminado, do outro. Mas, de qualquer forma, e quaisquer sejam as circunstâncias, a existência de uma agência, cujo papel é a aplicação das regras, é imprescindível. É essa mesma agência que, ao final das discussões, devera tomar a decisão definitiva.
Renn mostra também nesse capítulo que os grupos sociais organizados desempenham um papel cada vez mais importante nas decisões políticas, ou seja, em algumas circunstâncias, mais precisamente nas democracias modernas de hoje, os grupos sociais reivindicadores podem se mostrar muito fortes e poderosos a parar ou impelir as obras do governo. Em outras palavras, o uso da força pública não é em alguns casos a melhor estratégia para convencer os cidadãos, mas a prova e o engajamento do valor. Isso quer dizer que, embora sejam sociais, mas todas as ações dos grupos sociais não se orientam apenas por um objetivo exclusivamente social, mas também político[2].

Para realizar suas ações, e para que estas possam ser eficazes, os atores sociais precisam de recursos: dinheiro, poder, influencia social, engajamento do valor e a prova, no intuito de chamar atenção de tudo mundo, pedir apoio ao grande público, influenciar as regras da Arena e entrar em competição com os outros atores. Cada um desses recursos é ligado a um tipo de motivação particular. O dinheiro, sendo o mais utilizado, é um recurso muito forte. No uso de dinheiro, existem duas formas pelas quais o grupo social pode manifestar suas influencias: primeiro, pela valorização dos seus dirigentes carismáticos, segundo pela prestação de serviços de outros pesquisadores e especialistas mais competentes e internacionalmente reconhecidos. O poder é o uso pela coerção da autoridade e da força que constituem a base de sua expressão. A influência social se manifesta pela reputação e pela recompensa social. Renn sublinha que: "as recompensas sociais constituem os reforços simbólicos do comportamento e geram prestígio social[3]". O engajamento do valor é um recurso cultural pelo qual capacita-se a encontrar, pela força de persuasão e pela razão, um sentido nos comportamentos dos atores sociais e da sociedade em geral. Enfim, a prova, como foi dito acima, é uma grande arma de defesa dos objetivos nas arenas sociais e políticas. Como diz Renn, ela não é a verdade, mas ela é a reivindicação da verdade que é constantemente testada na realidade. Na prova, tem-se a vontade e o desejo de dizer a verdade de uma maneira razoável e lógica. É para a prova que os atores sociais podem valorizar suas opiniões mostrando que seu plano é melhor e mais vantajoso para os cidadãos do que o dos outros grupos (Op. cit. p. 183-189). Assim Renn afirma:
« Evidence in the arena concept serves as a powerful social resource to convince people that the expected factual impaas of one group's claims are in their best interest, whereas the potential impaas of the competing groups claims are not. Policy options are empirically testable. Supporting evidence can be based on past experience, logical reasoning, empirical tests, theoretical plausibility, or a combination thereof. The claim to provide the truth is supported by adhering to methodological rules of inquiry or rhetorical rules of argumentation » (Ibid., p. 187).
Geralmente a exigência da prova não vem a partir de uma necessidade social, mas trata-se de uma estratégia de aparecer e de fazer sentir sua importância na arena política. Desta forma, pode acontecer uma interação ou uma transmutação dos recursos entre si, ou seja, os atores sociais podem produzir suas ações num domínio que está fora da sua área de competência utilizando diferentes tipos de recursos, não porque eles têm interesse pelo assunto, mas porque querem se criar um lugar de privilégio e de influencia nas arenas políticas se colocando a busca de reputação social e de engajamento do valor. Assim se criam conflitos de interesses.

Numa arena política, os conflitos podem ser resolvidos de duas maneiras segundo Renn. A primeira e a mais relevante é um compromisso encontrado entre os atores protagonistas por sua vontade de iniciar o diálogo. A segunda é que existe entre os atores, um ator mais poderoso do que os outros capaz de aplicar as regras e de chama-los à razão. Nessa resolução de conflitos a comunicação entre os atores em conflito é imprescindível, assim, nesse caso, sua função é permitir aos diferentes atores aumentar suas forças e sua sorte de pedir ajuda a outros atores. Agora Renn está querendo chamar nossa atenção sobre a maneira de que o conceito de arena pode nos ajudar a compreender melhor a questão do risco.
O que é o risco? Quando um individuo, uma organização social, um governo, se encontra numa situação entre o que é possível e fazer uma escolha, a partir desse momento podemos dizer que aqui tem um risco a correr. Em outras palavras, o termo de risco faz sentido para Renn (2008) quando sabemos que após tomar aquela decisão ou agir de tal maneira, ninguém, absolutamente ninguém, não sabe o que vai acontecer no futuro. Então, as expressões comuns cotidianas como "tomar o risco" ou "correr um grande risco" nos ensinam, como apontou Renn, que dia em dia, tomamos decisões e cometemos ações ou erros que colocam em risco nossa própria vida e a sociedade inteira, portanto, o risco é a relação causal entre ação e evento, entre o que é real para fazer e o que é possível ser produzido. O risco se situa entre o que acontece conforme os efeitos naturais e as atividades humanas. Assim, ele propõe a definição seguinte do risco:
« If the contingent nature of our actions is taken for granted, the term ‘risk’ denotes the possibility that an undesirable state of reality (adverse effects) may occur as a result of natural events or human activities. This definition implies that humans can, and will, make causal connections between actions (or events) » (Renn, 2008: 1-2).

Segundo ele, a noção de risco está ligada a três elementos, trata-se dos resultados, da possibilidade (positiva ou negativa) e a formula de combinar os dois[4].

Uma contribuição que nós achamos muito interessante de Renn é que este último criou uma "teoria das arenas de risco". E como as arenas tendem a se interagir uns sobre outros, os atores sociais não têm problema nenhum a utilizar o risco a fins particulares. De um lado, Renn destacou que os riscos podem ser um instrumento nas mãos dos grupos sociais para melhorar a mobilização social e para que possam legitimar suas reivindicações. Do outro lado, as arenas de riscos são um meio simbólico que os atores sociais podem aproveitar para impor suas opiniões mesmo se a questão do risco não lhes preocupa em si; fazer ouvir sua voz; buscar prestígio e reputação sociais e engajar os valores culturais. Na leitura de Renn podemos entender que: "as arenas de risco constituem um centro de atração para os atores sociais rivais. Eles as usam como símbolo significativo para defender seus próprios interesses". Os organismos de gestão dos riscos se enfraquecem cada vez mais porque são incapazes de gerar os dados de informações; mobilizar recursos; desempenhar um papel influente na resolução dos conflitos convencendo os atores a negociar e aplicar as regras. Essa situação acaba de criar um clima de confusão entre os riscos coletivos e os riscos individuais que não param de se agravar. Uma das causas desse agravamento é a falta de respostas e provas à gravidade dos riscos. Assim como consequências desta fraqueza de competência conhecemos, de um lado, o que Renn chama a moralização e a polarização dos riscos, a paralização política do outro. Moralizar o problema de risco é uma prova palpável da falta de experiência e de competência na analise e na avaliação dos riscos modernos (Renn, op. cit., 1992, p. 190-192).

Renn considera a teoria de arena como a melhor opção que permita compreender o debate sobre a noção de risco e explicar as normas que regem o discurso da resolução de conflitos de maneira justa e competente (Ibid.). Para chegar a um resultado satisfatório, ele propõe as estratégias seguintes: escolher a arena, identificar os principais atores, seus objetivos e as regras formais e informais, buscar saber se cada ator dispõe recursos, analisar a juridicidade e a aplicabilidade das regras, analisar como os atores comunicam entre si e com o público, enfim, conceber um modelo capaz de explicar o comportamento dos atores e os resultados do conflito em relação com a disponibilidade e transferir esse mesmo a outras arenas de risco ou politicas (Ibid. p. 193). Para ele, sem o conceito de arena, é difícil explicar sociologicamente os conflitos de risco. Na concepção dele "a teoria de arena ajuda às instâncias de decisão a avaliar as respostas e os problemas suscetíveis serem encontrados na vida. Uma arena representa um espaço metafórico por excelência para organizar os procedimentos relativos ao risco assim como estruturar melhor a resolução dos conflitos" (Ibid.).
Além disso, Renn chamou nossa atenção sobre o fato de que vale a pena correr riscos, sobretudo quando eles permitem compreender melhor a vulnerabilidade e também a potencialidade do nosso meio ambiente. Os riscos são feitos para serem resolvidos, gerados e reduzidos, então a teoria da arena, diz Renn, pode ser um grande apoio, pois, mesmo se cabem às instituições políticas e governamentais de tomar as decisões finais, mas a participação da coletividade é muito importante.
Apesar de sua relevância e das suas vantagens, a aplicação da teoria de arena na gestão dos riscos apresenta alguns inconvenientes. Primeiro, segundo Renn, a tendência de hoje é centralizar os riscos nos atores individuais esquecendo completamente o contexto social, político, econômico e cultural. Segundo, a vontade da teoria de arena de querer armazenar todos os fatores sociais o torna cada vez mais fraca e frágil. Terceiro, a teoria de arena de risco confunde a mobilização dos recursos, a intenção e a motivação dos atores, porém, todos os conflitos nas arenas acontecem porque cada categoria de atores tem seus próprios objetivos, valores e interesses a defender. Quatro, como a teoria de arena ignora as intenções e as motivações dos atores, então, ela não se relaciona com a abordagem do ator racional. Quinto, a teoria de arena se afasta de várias outras teorias, em particular, do determinismo neomarxista. Renn não concorda com aqueles que, usando o conceito de campo social, veiculam a ideia segundo a qual existe uma separação radical entre os atores e os espectadores no sentido de que estes últimos seriam uma espécie de marionete no jogo político porque a teoria de arena não considera as motivações como tipo de mobilização social (Op. cit. p. 195-196).

Enfim, segundo Renn, seria um grande erro se tomasse-se a teoria de arena social como uma teoria que inclui tudo. Ela encontra sua essência nos debates políticos para uma transformação social resolvendo os problemas específicos. É por isso que existem aspectos aos quais ela não se agarra, como por exemplo, as percepções individuais. Embora seja um espaço político pluralista e democrático, mas isso não significa que a teoria de arena é universal e comum a tudo mundo. Como foi dito, a teoria de arena, não coloca todos os problemas num conjunto só, mas os aborda cuidadosamente com uma metodologia separada e especial, porque sua função é tratar e solucionar cada problema em sua particularidade.

Bibliografia consultada
RENN, Ortwin. The social Arena Concept of Risk Debates in KRIMSKY, Sheldon e GOLDING, Dominic. Social Theories of Risk. 1992, p. 179-196.
RENN, Ortwin. Risk Governance: Coping with uncertainty in a complex world. London: Earthscan, 2008.
DOS REIS, Gisele e FREIRE, Jussara. Participação e arenas públicas: um quadro analítico para pensar os conselhos municipais setoriais e os fóruns de desenvolvimento local. Cadernos Metrópole, N. 10, p. 75-102, 2º sem. 2003.
 Quinta-feira 19 de Junho de 2014



[1] Disponível sobre: http://www.ortwin-renn.de/node/7 . Último acesso em 11-06-2014.
[2] Renn, Op. cit. p. 186-187.
[3] Ibid., p. 186.
[4] « The definition of risk therefore contains three elements: outcomes that have na impact upon what humans value; the possibility of occurrence (uncertainty); and a formula to combine both elements. Outcomes can, in principle, be positive or negative, depending upon the values that people associate with them. For the purpose of this book and in accordance with our definition above, we will focus here on the negative outcomes of actions or events » (Ibid).

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