A TEORIA DO TERCEIRO: UMA REFLEXÃO
SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS SOCIAIS
Jean FABIEN*
Resumo
Na
literatura sociológica dos conflitos sociais, existe uma discussão muito
interessante, trata-se de saber quando, como e por quê resolver e transformar os
conflitos. A pergunta como faz
diretamente chamada à problemática da mediação que, de uma certa maneira, constitui
o elemento central entre gestão, resolução e transformação dos conflitos
sociais. A ambição deste artigo, assim, é discutir o papel e o lugar da
mediação, como função social, executada por um terceiro nos conflitos sociais
para entender no sentido de que ela, a mediação, – enquanto uma prova de conscientização
e de reconhecimento do conflito como prática social e realidade coletiva – é um
processo necessário e inevitável capaz de manter o equilíbrio social.
Palavras-chave: Terceiro. Conflito social.
Mediação. Função social.
Abstract
In
sociological literature of social conflicts, there is a very interesting
discussion, it is to know when, how and why to resolve and transform the
conflict. The question how appeal
directly to the problematic of the mediation that, in a sense, constitute a
central elemento between management, resolution and transformation of social
conflicts. The ambition of this article, therefore, is to discuss the role and
place of mediation, as social function, executed by a third party in social
conflicts to understand the effect that she, mediation - as a proof of
awareness and recognition of the conflict as a social practice and collective
reality - is a necessary and inevitable process able to preserve the social
balance.
Key-words: Third. Social conflict. Mediation.
Social function.
Introdução
Ao
falar de conflitos, estamos lidando com uma prática entre seres humanos tão
velha como a humanidade. Porém, as ciências sociais, em particular a
sociologia, começam muito recentemente, a partir do século XX, a se interessar
pelo estudo dos conflitos sociais como fenômeno social. A sociologia dos
conflitos é um campo de estudo jovem ainda em fase de construção. Isso cria uma
certa dificuldade conceptual de usar ou a expressão de literatura sociológica dos conflitos sociais ou a de teoria sociológica dos conflitos sociais.
Tal não é a discussão que nos preocupa aqui embora interessante. Conflitos e
violências são fenômenos que existem na sociedade há muito tempo. Eles são tão
velhos como a sociedade e imbricados a seu dinamismo. Todavia, precisam ser
resolvidos e transformados. Resolver o conflito não é transformar o conflito. Com
efeito, além de serem duas estratégias diferentes e não contraditórias, seus
resultados se escrevem numa solução de continuidade. Ou seja, resolver o conflito subentenderia uma
certa negação do conflito como prática e realidade sociais contínuas entre os
indivíduos, essa expressão traz, portanto, uma pretensão de pensar poder
resolver o conflito de maneira definitiva. Por sua vez, transformar o conflito se referiria a um processo de longa duração
que os atores sociais podem levar para construir entre si melhores relações
sociais. Apesar de tudo isso, eles têm um ponto comum que é a mediação. Em
outras palavras, gestão, resolução e transformação do conflito, como
estratégias interligadas, encontram sua figura num terceiro personagem que
desempenha um papel de mediador.
Nas
arenas ambientais, os conflitos sociais são também presentes e, talvez, mais
frequentes, porém, eles são de uma outra natureza e têm suas características
específicas, pois, são conflitos relacionados geralmente aos recursos naturais,
ecológicos e ambientais[1]. Portanto,
os conflitos, qualquer seja o campo no qual acontecem: ambiental, social,
político, judicial etc., são ao mesmo tempo inerentes à vida em sociedade e coletividade, e, paradoxalmente,
essenciais para compreender a mudança social e as dinâmicas sociais. Nesse
sentido, podemos dizer que a vida do ser humano é feita de conflito, e
as relações sociais são em si mesmas vectores de conflitos. O que quer dizer,
em outras palavras, que é impossível conceber as relações humanas sem alguns
momentos de tensão, confrontação, divergência, discordo, que, por conseguinte,
são suscetíveis de criar conflito. Qualquer simples possa ser um interesse, um
problema ou um desejo, ele é capaz de produzir um conflito pacífico ou violento
depende do contexto, também as razões que poderiam levar duas partes ou mais a
entrar numa situação conflituosa são inumeráveis. Quando as partes entram em
conflito, três opções lhes são oferecidas a fim de sair de lá: negociação,
mediação e arbitragem (VAYRYNEN, 1991; KRIESBERG, 1989).
A
negociação é, na maioria das vezes, um acordo encontrado pessoal e voluntariamente
pelas partes em conflito entre si sem ajuda e intervenção de um qualquer terceiro.
Isso significaria que o papel da mediação seria totalmente ausente no processo
de negociação? Não é tão fácil dizer isto por ao menos quatro motivos.
Primeiro, a negociação é também uma forma de mediação com finalidade distinta,
segundo, ela é uma estratégia muito complexa, terceiro, existe vários tipos de
negociação, por fim, a metodologia da escolha do negociador é ainda mais
complexa e complicada. Todavia, o papel do terceiro aparece mais significativo,
obrigatório e imponente no âmbito da mediação e da arbitragem do que na
negociação. Mas, como, de um lado, a arbitragem é um outro assunto importante, que
merece um tratamento conceptual, metodológico e teórico bem particular, do
outro lado, o caso que nos preocupa mais aqui é a mediação, vamos de
preferência consagrar nosso trabalho a ela. De uma certa forma, ela se torna
fundamentalmente importante se a negociação falhou, isto é, onde a negociação
não pode chegar, a mediação tem o interesse de chegar lá.
Porém,
às vezes em alguns casos, como vamos vê-lo, a mediação, encontrando grandes
dificuldades em ajudar a resolver os conflitos, pode também fracassar, em
outras palavras, a mediação – como meio e não como finalidade – pode não ser
alcançada apesar dos esforços gigantescos dos agentes contratados. Numa tal
situação, a arbitragem, que, geralmente, é de natureza jurídica, poderia
aparecer como a última alternativa. Assim, o presente artigo, havendo como
objetivo de analisar o lugar e o papel da mediação nos conflitos sociais e
mostrar ao mesmo tempo suas vantagens e seus limites, está dividido em quatro
partes. A primeira levará em conta a noção de conflito tentando retomar sua
origem e definição enquanto a segunda será consagrada a entender o fundamento da
mediação dos conflitos sociais. Na terceira parte, vamos sublinhar alguns princípios
que permitem realizar uma boa mediação. Como cada estratégia tem suas vantagens
e seus limites, a mediação não é uma exceção dessa regra, tal será, por fim, o
objeto da quarta parte.
1. A
noção de conflito
O
conceito de conflito é muito comum e, infelizmente, como todo conceito, é, às
vezes, vítima de um uso abusivo, sobretudo quando ele é sempre confundido com as
noções como competição, problema, discordo, tensão e violência. O senso comum de
hoje tende a chamar "conflito" qualquer tipo de disputa que, talvez,
fragilize as relações interindividuais, que a sociedade esteja enfrentando sem
ter a mínima consciência do que se trata exatamente. Nesta situação, antes de
entrar nas considerações relativas à mediação, não seria importante procurar entender
a origem e a definição do conflito a fim de determinar do que estamos realmente
falando ao usar essa noção?
1.1. Origem
e Definição teórica do conflito social
Sem
querer fazer um histórico do conceito de conflito, podemos sublinhar que é a
partir do século XX que ele atingiu seu apogeu como tema preocupante nas
ciências sociais, particularmente a sociologia contemporânea, e que os
sociólogos clássicos começaram a ver nele uma forma de relação social assim
como as diversas funções que ele pode cumprir na sociedade. O conflito não é um
simples desacordo mesmo quando todo conflito esteja à origem de um desacordo
simples ou complexo. Um desacordo é amiúde resolvido por métodos tradicionais,
mas um conflito é resolvido por métodos analíticos (BURTON, 1992, p. 4). Definido
como uma prática social tão velha como a humanidade, sendo a expressão de toda
forma de oposição: luta, combate e guerra, o conflito se apresenta também como
a melhor fonte originária da verdadeira harmonia social, segundo Heráclito de
Efésia citado por Chritine Marsan[2].
Com
efeito, um conflito[3],
por intenso, pacífico ou violento que possa ser, nasce de uma situação social da
vida cotidiana, ou seja, o acontecimento de um conflito se torna um fato social
viável e possível desde que estejamos num âmbito de relações e interações
sociais. Portanto, qualquer relação social é suficiente para criar conflito e
seria um grande erro se concedêssemos uma só origem causal ao conflito. Mesmo
um conflito cognitivo e interpessoal pode ter uma origem multicausal (familiar,
amical, profissional etc.). Por exemplo, na troca de ideias e opiniões, pode
surgir um mau entendimento sobre uma questão, um assunto, um elemento que haveria
importância e representaria um grande interesse para uma das partes em questão.
A partir daí, entendemos que um conflito pode nascer efetivamente a partir de um
desacordo o mais banal que possa existir e leva, infelizmente, um tempo mais ou
menos longo a ser resolvido. Para compreender essa dinâmica conflituosa,
gostaríamos de tomar como exemplo o conflito social e político entre xiitas e
sunitas. Com efeito, este conflito permanente de raiz religioso nasce num
contexto histórico bem particular onde uma simples divergência religiosa explodiu
em torno da substituição do profeta Maomé após sua morte entre seus herdeiros[4]. Hoje
ainda, no mundo contemporâneo, as coisas não são tão diferentes, as mesmas
causas produzem os mesmos efeitos. Em regra geral, um conflito tem sua origem
na defesa de um objetivo e de um interesse comuns entre duas partes ou mais.
Para
alguns autores clássicos da teoria sociológica do conflito social como Coser
(1967), Reimann (2004), o conflito está à origem de uma insatisfação dos
desejos materiais como comida, propriedade, dinheiro; e imateriais como, por
exemplo, justiça social, valor, reconhecimento, identidade (HONNETH, 2003) dos
grupos sociais mais vulneráveis. Com efeito, o sociólogo alemão Lewis Coser
destacou que os conflitos surgem a partir do momento em que uma organização
falha ao seu papel de resolver os problemas considerados como fundamentais por
seus membros. Para ele, os conflitos são fenômenos sociais normais na sociedade
tendo como a missão de manter a ordem social e fortalecer a organização social.
O conflito, acrescenta ele, tem a ver com as demandas insatisfeitas da
população que se encontram em obstáculo com os interesses burocráticos que ele
chama de "interesses criados"
(COSER, 1967, p. 34-35).
Por
seu lado, Reimann enfatiza duas abordagens em que diz respeito à fonte do
conflito: a abordagem subjetiva e objetiva. A abordagem subjetiva se interessa a procurar
a origem do conflito na incompatibilidade dos objetivos que se relacionam com a
má compreensão, o mau entendimento, a má percepção de um ponto de vista
cultural. Mas, na abordagem objetiva, a origem do conflito se encontra no
caráter social e político assim como na estrutura da sociedade, o que
significa, segundo ele, que o conflito acontecido na sociedade pode não ter
nada a ver com as percepções das partes que se envolvem nele[5]. A
teoria social do conflito de Reimann chama nossa atenção sobre três maneiras
fundamentais de abordar o conflito. Primeiro, como um problema da ordem
política, segundo, como um catalisador de mudança social, e terceiro, como uma
luta não violenta pela justiça social (REIMANN, 2004, p. 7).
Os argumentos de Honneth
(2003) levam em conta a questão da individualidade para ressaltar a origem do
conflito. O fenômeno do individualismo conhece hoje nas sociedades modernas um
desenvolvimento muito rápido e ocupa um lugar cada vez mais dominante nas
relações sociais. Para ele, o conflito social passa pela luta do indivíduo pelo
reconhecimento de sua própria identidade e cultura, de seus próprios valores e
costumes. Ele considera essa luta pelo reconhecimento como o desenvolvimento
social do indivíduo não contraditório a seu pertencimento social. Quando os
indivíduos, aponta ele, entram em conflito não é porque querem uma auto
conservação ou um aumento do seu poder, como Hobbes e Maquiavel o percebem,
mas, na medida em que a identidade individual ou coletiva deles se encontraria ameaçada,
há, por eles, grande necessidade de enfrentar essa ameaça para evitar o
desrespeito sociocultural (HONNETH, 2003, p. 15-17).
Assim,
a partir dessas considerações teóricas, podemos dizer que geralmente um
conflito acontece para mostrar a fraqueza de um sistema, a obrigação de mudá-lo,
a necessidade de considerar a minoria que é cada vez mais ignorada,
menosprezada e mesmo esquecida, a exigência de negociar para melhorar a
situação social e econômica dos mais fracassos. Acima de tudo, consciente ou
inconscientemente, todo conflito tem sempre atrás dele a defesa de um interesse
pessoal, individual ou coletivo ameaçado, cuja natureza pode ser material, imaterial,
moral, social, ético, afetivo; do outro lado, todo conflito é a expressão de um
direito a fazer valer e faz aparecer claramente a dimensão da violência
simbólica.
Atrás
de cada conflito pode esconder-se diversas expectativas. Para Touraine, é a dominação
de um grupo pelo outro que, na maioria das vezes, é o objetivo central de todo
conflito, seja de caráter político, econômico, individual ou social[6]. Atrás
da explosão de um conflito tem o progresso social porque nenhuma sociedade não
pode evoluir nem progredir sem passar por algumas situações de lutas duras e difíceis.
Este argumento pode se comparar, de uma certa maneira, com o proverbio muito comum
dizendo: "quem quiser a paz prepare
a guerra". Para Coser (1967) os conflitos sociais têm um papel crucial
nas mudanças sociais, a sociedade, insista ele, é dinâmica e não estática, e os
conflitos participam fundamentalmente desse dinamismo e evoluem em conformidade
das normas do dinamismo sociocultural. Simmel (1983), por sua vez, estuda o
conflito como aquele fenômeno poderoso suscetível de permitir aos membros de um
grupo uma melhor integração social. Segundo ele, os comportamentos antagonistas
não têm só uma finalidade social negativa, mas também, permitem a cada um
conhecer melhor seu caráter, sua atitude e seu comportamento a fim de chegar a
uma vida de relação social equilibrada[7]. A
teoria social de conflito de Simmel nos ensina que não devemos continuar a
enxergar o conflito, assim como isso se produz no senso comum, como uma espécie
de monstro destruidor e devastador das relações humanas, ou seja, um monstro
que existe entre nós para complicar e dificultar nossas relações e o
funcionamento da sociedade e fragilizar seu nível de valor, cultura, tradição, identidade,
interesse etc. Ao contrário, o conflito tem um caráter construtivo e leva a uma
melhor organização do corpo social.
O
conflito social tende ao progresso da sociedade, em outras palavras, se não
tiver conflitos entre os grupos não tem como poder saber o estado de saúde da
sociedade. É difícil que ela continue sua construção sem conhecer alguns
momentos de perturbações, de crises, em resumo, de conflitos. Por exemplo, na
maioria das vezes, os conflitos de classe numa sociedade visam à mudança de uma
regra, de um regime ou de uma estrutura. Podemos dizer que os conflitos são como
uma espécie de teste de avaliação do nível de vida social, política e econômica
das instituições sociais e das relações humanas. Isso quer dizer que os
conflitos ajudam muito a entender o que está certo ou errado na sociedade, como
ela está caminhando, pois uma "sociedade
sem conflito", mesmo se ela existisse, não significaria sociedade
muito saudável. Por outro lado, comparando-as ao fenômeno linguístico, muito
dinâmico, Coser mostra como as mudanças que acontecem na sociedade, podem ser muito
beneficiárias para reforçar sua estrutura. Nesse sentido, retomando Dewey, ele
acrescenta o papel de mudança social do conflito dizendo:
« El conflicto es el tábano del pensamiento. Estimula
nuestra percepción y nuestra memoria. Fomenta la investigación. Sacude neustra
pasividad de ovejas, incitándonos a observar y a crear... El conflicto es el sine qua non de la reflexión y la
inventiva » (COSER, 1967, p. 26).
Uma
forma de ação violenta que acabará com a destruição de um ator pelo outro, é
com esses olhos que Freund observa a questão do conflito social. Em todo
conflito, diz ele, uma das partes busca sempre em acabar com a outra defendendo
seu direito e impondo sua opinião (FREUND, 1983). O problema da argumentação de
Freund aqui não é que ele preconiza uma visão dramática ou trágica do conflito,
mas é que ele confunde conflito e violência, o considera só na sua forma
violenta. Porém, distinguindo-se do conflito, a violência é, de um lado, o
nível excessivo de agressividade que pode atingir o conflito, o grau mais exagerado
e uma consequência nefasta do conflito, do outro (MARSAN, 2006, p. 14). Mas,
apesar de cada um destes autores acima considerados conceder ao conflito uma função
diferente, finalmente, todos eles concordam sobre o fato de que o conflito é
imanente à natureza humana, ele é uma situação que nós somos condenados a viver
cada dia e com o qual devemos nos acostumar e não tem como erradicá-lo nas
nossas práticas sociais. Por outro lado, o conflito se encontra em diversos setores
da vida: mercado capitalista do trabalho (por exemplo, a competição, forma
clássica de conflito de hoje), universidade, família; o conflito ocorre também
na escala nacional, transnacional e internacional (por exemplo, as guerras). Não
pode-se ignorar os efeitos negativos dos conflitos, particularmente, os engendrados
por conflitos armados, guerras, manifestações violentas responsáveis mortos e vitimas
enormes. Mas, como já vimos, em princípio, do ponto de vista sociológico, isso
não é a finalidade do conflito, isto
é, conflito não significa o que poderia ser chamado de catástrofe social.
O conflito social, além disso, é, ao mesmo
tempo, um produto das nossas relações e uma parte de nós, que precisa ter
atenção, cuidado e gestão. Ele não pode ser considerado como uma catástrofe
social do mesmo jeito do acontecimento de uma catástrofe natural sem previsão,
ele é construído entre nós e, desse fato, é previsível. Hoje, com o grande
avanço da ciência, alguns fenômenos naturais são previsíveis, mas,
infelizmente, não evitáveis. A previsão permite gerir e diminuir o nível dos
impactos. Portanto, se o conflito, como fenômeno social, é previsível, ele pode
beneficiar também de uma boa gestão diminuindo cada vez mais seus efeitos
negativos. Mas, a grande questão que
ainda transtorna o cérebro dos cientistas sociais, em particular, os
sociólogos, é a seguinte: Será que existe uma fórmula que permite evitar o conflito
na sociedade, dito de outra maneira, os conflitos sociais são inevitáveis,
e se sim como evitá-los.
1.2. O
conflito social é evitável?
A
pergunta que se coloca na inevitabilidade dos conflitos sociais é interessante
no sentido de que nos faz pensar neles como nos fenômenos naturais. Na forma,
um conflito parece comparável a um acidente desde que este evento se produza
sem nenhuma previsão, mas, no fundo um conflito é completamente diferente de um
acidente no sentido de que ele é um processo, isto é, ele se prepara, se
constrói e leva um tempinho a ocorrer. Assim, nesta perspectiva, um conflito
não pode ser comparado a um acidente nem ser assimilável a ele, pois, um
acidente permanece uma situação aleatória, não apenas incontrolável, mas
sobretudo, imprevisível enquanto, se devermos entender o conflito como fato
social, ele participa da construção da relações sociais e está cotidianamente
presente entre nós. O tempo que ele leva para ocorrer é mais ou menos razoável
porque existe toda uma acumulação de fatos que têm que aparecer essencialmente
antes e depois dos momentos de desacordos fracos ou fortes como, por exemplo,
agressão verbal ou física. E durante o tempo em que ele está ainda em fase de
gestação, algumas ações e estratégias racionais seriam possíveis para prevenir
o conflito. A inevitabilidade do conflito nas relações sociais reforça o
argumento sociológico segundo o qual o homem é um ser eminentemente social, o
isolamento seria o contrário da sua natureza. Dizer que o conflito social é
evitável seria promover e valorizar inconscientemente o isolamento e fazer do
indivíduo um ser a-social e anti-social. Em resumo, ainda não existe nenhuma formula
que possa permitir evitar o conflito, todavia, ele pode ser prevenido, aliás, é
um dos papeis fundamentais das forças da ordem, embora não seja coisa fácil.
Para
poder prevenir o conflito, é imperativo levar em conta o que Burton (1990) chama
as « necessidades humanas », segundo ele, tem que existir um elo entre a
resolução do conflito e as necessidades humanas. Por outro lado, se alguns conflitos
permanecem, outros são transformados enquanto novos surgem na sociedade, devemos
buscar entender esse problema questionando a relação entre o processo de resolução
de conflito e as necessidades humanas para verificar se eles não sofrem de uma
má gestão ou análise. A teoria das necessidades defendida por Burton necessita
da criação de instituições governamentais responsáveis que teriam como a missão
de trabalhar para ajudar na prevenção dos conflitos, para ele, a prevenção do
conflito é uma maneira de antecipá-lo a fim de ver como reduzir suas
consequências nefastas, pois não tem como eliminar o conflito na sociedade, por
isso devemos ser acostumados a viver com ele (BURTON, 1990, p. 5-6). Para
Burton, prevenir os conflitos deve ser a abordagem analítica mais importante a
levar em conta do que sua resolução. Ele afirma então:
«
As has already been pointed out, however, conflict resolution is not the most
important contribution to be made by this analytical and problem-solving
approach to conflicts. Decision making to provent conflict is the main focus. »
(Ibid, p. 6)
Assim, não tem como se escapar dos conflitos se eles
se incorporam ao comportamento humano. As instituições de análise e de
resolução dos conflitos, como o Instituto de análise e resolução dos conflitos
da Universidade Georg Mason, dispõem de estratégias e técnicas suficientes para
tentar prevenir os impactos do conflito de caráter institucional. Burton (1990)
vê na prevenção do conflito não somente uma estratégia importante, mas sobretudo,
uma questão institucional e política, pois é da responsabilidade exclusiva dos
órgãos políticos de prevenir os conflitos. Sendo impossível se livrar dos conflitos,
prevenir é mostrar a capacidade e a maturidade de gerir e dominar os conflitos.
Segundo Christophe Carré (2013), a atitude mais inteligente a tomar perante dos
conflitos é aprender a viver e a crescer com eles e neles[8].
Tal é um dos grandes papeis da mediação de ensinar e convencer as partes para
gerir seus conflitos com maturidade e responsabilidade.
2.
A
função social da Mediação nos conflitos sociais
A qualidade da mediação varia em função do tipo de
conflito: individual, institucional, familiar, profissional, social ou
coletivo. Cada um desse tipo de conflito faz chamada a um método específico de
mediação. Todavia, toda mediação tem três finalidades principais: prevenir,
resolver e transformar o conflito.
Como
foi dito, a mediação desempenha um papel crucial na gestão assim como na
resolução dos conflitos de tal modo poderíamos dizer que é pelo meio dela que o
conflito encontra realmente sua função social porque o objetivo mais esperado de
toda mediação é solucionar o problema e restabelecer as relações sociais.
Então, para entender melhor esse papel, é importante definir o que é
efetivamente uma mediação distinguindo-a da negociação e da arbitragem.
2.1. O
que é a Mediação?
A
mediação intervém nas três fases do conflito: gestão, resolução e transformação
do conflito. Como estratégia e técnica de gestão, resolução e transformação dos
conflitos, ela pode ser definida como um processo a partir do qual as partes em
conflitos, apoiadas por um terceiro, concordam se sentar juntas para conversar
na meta de achar uma saída ao conflito que as opõe. A mediação é, em princípio,
um papel desempenhado essencial e obrigatoriamente por um terceiro personagem sob
a demanda das partes. Os conselhos, palavras, avisos, recomendações e sugestões
deste último devem ser levados em conta pelas partes que a escolheram. O mérito
cabe ao sociólogo alemão Georg Simmel por ter concedido uma grande importância
a esse conceito de Terceiro, elemento crucial do conflito que, infelizmente,
foi esquecido pelos sociólogos contemporâneos (SIMMEL apud FREUND, 1983, p. 287-288).
Um mediador é automaticamente um Terceiro personagem, porém, o inverso não é,
todavia, verdadeiro. Pois, um Terceiro pode ser o instigador dos conflitos[9]. Um
mediador é, em primeiro lugar, uma pessoa de confiança, de grande personalidade
escolhida e aceitada pelos protagonistas em conflito. Em segundo lugar, sua
presença no conflito simboliza, de um lado, a paz e a calma, do outro lado, uma
possibilidade de início de diálogos entre as duas partes, e, se for possível, uma
tentativa de restabelecimento das relações sociais e de criação da harmonia
social. Em terceiro lugar, aceitando a função, o mediador se torna
automaticamente parte do conflito, como tal, ele precisa se colocar no centro
desempenhando seu papel na maior neutralidade que seja possível a fim de tornar
este papel menos difícil e complicado. O papel principal de uma mediação não é
se substituir ao lugar de uma das partes em conflito, mas é facilitar os debates
entre elas a fim de que elas mesmas possam livremente tomar uma decisão.
A
decisão de sair do conflito, fazer e construir a paz, restabelecer as relações
sociais, criar uma harmonia social durável, por fim, manter uma atmosfera de
vida mais ou menos tranquila e boa para tudo mundo, cabe às partes envolvidas
no conflito, e não ao mediador. Enquanto bom facilitador, o mediador anima as
discussões motivando, estimulando e incentivando as partes protagonistas a
chegar a um acordo no interesse delas em particular, e do resto da sociedade ou
da comunidade à qual pertencem em geral. O papel de um mediador consiste também
em conciliar as partes, ou seja, tentar transformar inimigos em amigos, em
outras palavras, ajudá-las a voltar ao estatuto
quo antes. Nesse sentido, ele é um conciliador. Nas suas atribuições de
conciliador, ele apoia as partes a encontrar o caminho da razão sem compelir
nenhuma delas. Todavia, as partes devem expressar claramente sua vontade de
conseguir um acordo para o qual elas fizeram a chamada a um mediador, isso será
a obra delas porque o mediador não pode lhes impor sua opinião nem forçá-las a
chegar a um acordo se elas não quiserem. Mas, quem pode desempenhar esse papel
muito importante chamado de mediador?
Como
já foi dito, dependentemente do tipo de conflito, a natureza do papel de um
mediador pode variar. Se tratar-se de um conflito familiar, esse papel pode ser
da competência de um membro da família mais influente, muito respeitosa e
respeitada. No caso de um conflito entre amigos, pode ser um outro amigo que
goza de um grande estima na percepção das partes. No nível profissional existe
uma instância hierárquica já prevista para resolver os conflitos dos empregados
entre si, entre empregadores e empregados, entre os serviços e as diferentes
equipes. Se formos a um nível mais superior, ou seja, no caso de um conflito entre
dois indivíduos na vida ordinária do direito comum, ou numa situação geral de
direito privado ou público, a instância competente para decidir seria o órgão
judiciário competente na matéria (PEKAR, 2008, p. 1-4). A partir desse momento,
começamos a deixar a fase de mediação para entrar na de arbitragem. Um jogo de
futebol já nos dá uma ideia do que poderia ser uma arbitragem na qual a decisão
final será tomada por uma autoridade competente prevista por uma disposição
legal.
2.2. Mediação,
negociação e arbitragem: Qual é a diferença?
A
mediação é uma forma de arbitragem que necessita obrigatoriamente a presença de
um terceiro (o mediador). A intervenção de um mediador significa que, de um
lado, as partes protagonistas não conseguem chegar a negociar entre si e por
isso têm chamado uma terceira pessoa para facilitar um acordo, aceitam,
tacitamente, reorganizar e redefinir suas relações sociais. Segundo Marsan
(2008), a negociação é um processo interno que se realiza no interior do
conflito entre as partes sem sair do exterior para buscar um intermediário. Os
negociadores pertencem a uma das partes em conflito, são membros dos grupos em
conflito, assim, nesta qualidade, se determinam a resolver o conflito que
dificulta as relações sociais dos seus companheiros. Portanto, as partes querem
resolver seu próprio conflito entre si sem a implicação e a intervenção de um qualquer
terceiro pessonagem. Por exemplo, no caso dos conflitos armados que opuseram os
Nuer e os Dinka no Sudão meridional, a solução foi encontrada entre os lideres
Nuer e Dinka. Alguns atores religiosos participaram nesse processo, mas estes
últimos não foram considerados como terceiros nem não tinham essa missão[10]. Nesse
sentido, os negociadores escolhidos fazem o vai e vem desempenhando o papel de
porta-voz entre os grupos (negociação coletiva) ou os indivíduos (negociação
individual) em conflito (MARSAN, 2008: 133-135). Assim, o negociador desempenha
um papel assimilado ao do mediador, porém, ele não é necessariamente um
mediador, ainda menos um arbitro mesmo se a mediação é suscetível de se
transformar em uma arbitragem na medida em que as partes não mostram nenhuma
vontade para resolver o conflito.
Com
efeito, um mediador não pode ser confundido com um negociador nem com um
arbitro e a razão é muito simples. No caso das duas primeiras funções, a saber,
o mediador e o negociador, nenhum dentre estes indivíduos na execução da sua
função, tem poder de decisão, então, mesmo quando ambas essas funções parecerem
muito semelhantes e confundidas, mas, elas se diferenciam do ponto de vista de origem
e de posição, pois é obrigatório que o mediador venha fora das partes sem
antecedências com nenhuma delas enquanto o negociador está geralmente dentro. De
uma certa maneira, um negociador pode servir de mediação entre as partes, mas, do
ponto de vista metódico, ele não é um mediador. Numa negociação, o negociador
está desempenhando essencialmente o papel de representante de um dos grupos,
porém, um mediador não é o representante de ninguém. Nas suas atribuições, o
negociador pode defender os direitos e os interesses do seu grupo, no entanto, o
mediador não tem direito de defender ninguém, ele é um elemento neutro.
Portanto, a negociação é uma forma de mediação, o inverso não é, todavia,
verdadeiro.
Um
arbitro é totalmente diferente do que um mediador e um negociador, pela simples
e boa razão que o arbitro é, de um lado, uma instância de decisão irrevocável,
prevista por uma disposição legal concertada entre as partes e assinada por
elas. Do outro lado, o arbitro é uma autoridade competente, legal e legítima
reconhecida tacita ou juridicamente pelas duas partes e sua decisão não depende
das opiniões delas. Portanto, no caso da arbitragem, a decisão final cabe a uma
terceira pessoa que detém a total independência e autonomia de decisão. A
mediação assim como a negociação tem um prazo muito curto para ajudar as partes
a encontrar um compromisso, ademais, seu papel é muito ocasional e temporário.
Mas, a arbitragem não é ocasional nem temporária, ela pode levar o tempo
razoável para chegar a um ponto final do conflito, porque através dela a
justiça pública institucional está agindo. Por fim, o que é importante lembrar
aqui, é que na mediação, negociação e arbitragem se encontra a valorização da
teoria do terceiro de Simmel. As razões da incondicionalidade do terceiro nos
conflitos sociais precisam ser abordadas agora.
2.3. Por
quê a presença de um terceiro na resolução do conflito é importante?
Essa
pergunta faz chamada a uma outra ainda interessante: Será que o papel do
terceiro (mediador, negociador ou arbitro) é incondicional no âmbito dos
conflitos sociais? Com efeito, como já dissemos, a mediação é uma das opções
que as partes podem escolher para discutir seus problemas e encontrar outras
alternativas. Uma pessoa (física ou moral), dependentemente da importância da
questão, pode se oferecer ou se designar pessoal e voluntariamente, como um
terceiro para facilitar as partes em conflito a tomar a decisão mais racional
que permita o avanço das relações. No nível governamental e institucional, um
órgão é criado com antecedência no caso houver conflitos entre os aparelhos
estaduais. Portanto, existem três maneiras pelas quais um terceiro, seja como
mediador, negociador ou arbitro, intervém num conflito: designação pessoal e
voluntária de um indivíduo como terceiro, escolha aprovada pelas partes em
conflito de uma pessoa ou de um órgão institucional (organismos nacionais ou
internacionais, ONG, instituições religiosas etc.) para desempenhar esse papel
de terceiro, enfim, uma instância judiciária interna ou externa, criada pela
lei com antecedência e como ato de prevenção. Nesse sentido, o terceiro se
torna importante por causa mesma do conflito, ele existe porque tem conflito,
sua existência está condicionada pelos conflitos. Então, não apenas sem
conflito é difícil falar de terceiro, como também, ele tem que desaparecer
desde que o conflito termine. Mas, como sempre tem conflito, sempre o lugar do
terceiro no conflito se tornará cada vez mais indispensável e incondicional. Qualquer
seja o resultado, a confiança é uma das características principais exigida de
um terceiro. Uma das razões fundamentais da sua presença num conflito é restabelecer
a confiança e incentivar as partes a trabalhar pela coesão social. Freund vê na intervenção do terceiro uma possibilidade
de criar uma unidade social, embora as soluções encontradas possam ser efêmeras
e o consenso seja relativo, isso não afeta o papel fundamental do terceiro.
Então ele diz o seguinte:
« O relativo
consenso indispensável a toda intercâmbio social tem como fundamento o
terceiro, cujo papel não consiste somente em ser tampão que amortece os
choques, os antagonismos e as tensões, mas também, em servir de intermediário
para a comunicação entre os que pretendem se ignorar ou que se levantam uns
contra os outros »[11]
(FREUND, Ibid, p. 301).
No
terceiro, ele enxerga o símbolo do equilibro social e político da sociedade,
como disse Montesquieu citado por ele, sem os poderes intermediários, o poder
político se tornaria onipotente e arbitrário. Se o conflito tem um papel de
mudança social, o mérito cabe à função preenchida pela mediação através da
figura do terceiro, pois sem ele, a mediação não seria possível, os conflitos
permaneceriam e as sociedades estariam autodestruindo-se. Enfim, uma sociedade
não pode existir sem os órgãos intermediários que, nas situações conflituosas difíceis
e frágeis, são imprescindíveis porque têm por obrigação de proteger os valores e
adquiridos sociais e garantir o equilíbrio social. No papel de terceiro se
cumpre a coesão social que deveria ser a consequência positiva mais esperada do
conflito, se não seria muito difícil que a sociedade possa reconquistar sua
harmonia. A vida social é assim feita de momentos baixos e altos, tal é o
funcionamento de toda dinâmica social.
Para
ser eficaz, a mediação tem que obedecer a algumas regras. Por isso, vamos
recorrer à obra de Alain Pekar (2008) que nós ajudará a entender melhor alguns princípios
que regem a função do mediador.
3. Os
diferentes princípios da Mediação
Na
vida cotidiana cada pessoa é chamada a intervir um dia numa situação de
mediação de uma maneira improvisada, ou seja, sem ter a competência e a
experiência requisitas. Qualquer indivíduo pode se improvisar mediador numa
situação específica que necessita sua presença: um pai entre suas crianças, um amigo
de confiança entre dois amigos que se tornam inimigos, um personagem de grande
prestigio social numa comunidade, um pastor entre seus fieis etc. É isso tudo
que Pekar (2008) chama de mediação informal. Informal porque não exige nenhuma
competência antes. Porém, hoje, a mediação se torna uma função muito delicada
que não pode ser cumprida por qualquer pessoa e de qualquer maneira, todavia,
isso não faz desaparecer seu aspecto informal e tradicional. É uma profissão muito
procurada, que se aprende com suas próprias técnicas e metodologias até que existem
escolas que ensinam como se tornar um excelente mediador (BURTON, 1992). Hoje, as
empresas de grande reputação têm seu próprio órgão de resolução dos conflitos
internos composto de especialistas em mediação. A esse tipo de mediação Pekar
dá o nome de mediação formal. Portanto, o método de mediação formal requer o
respeito de alguns princípios. Mas, antes de analisar esses princípios, é interessante
retomar a definição do método de mediação proposta por Pekar:
« Um método
de mediação é essencialmente estruturado por princípios. Cada um deles
contribui ao valor intrínseco da mediação, a seu funcionamento assim como à
confiança que as partes – e mais amplamente o grande público – concedem a esse
modo de gestão dos conflitos. Tanto as partes como o mediador se devem uns aos
outros a mais clareza sobre os princípios que vão guiar seus intercâmbios e
suas relações respectivos: entre as partes, como entre estas últimas e o
mediador. É o lugar e o papel do « outro » – parte ou mediador – que se
encontram assim incluídos por cada um »[12] (PEKAR, 2008, p. 61).
Isso
quer dizer que cada uma das partes, isto é, o mediador e os protagonistas, deve
reconhecer suas responsabilidades e respeitar as regras do método de medicação a
fim de permitir um bom desenrolamento desta. Em outras palavras, poderíamos
dizer que a confiança do mediador mais a vontade das partes mais os princípios
que regem a mediação engendrarão como resultado um sucesso positivo e
construtivo da resolução e da transformação do conflito. Em Pekar (2008) encontramos
um resumo de acerca sete princípios que regem a mediação: independência,
neutralidade, imparcialidade, confidencialidade, respeito do direito, equidade
e vontade das partes. Esses princípios não são diferentes uns dos outros, mas
se completam mesmo se cada um tem seus aspectos específicos como vamos ver
adiante.
Com
efeito, o estatuto independente do mediador faz que ele não deva ter nenhuma
ligação (afetiva, familiar, racial, étnica, profissional, econômica, social
etc.) com uma das partes. Isso o protege a não ser obrigado em favor de ninguém;
protege sua personalidade e reputação; impõe-lhe um tratamento igual das partes
em conflito; é uma garantia para o respeito dos direitos e da liberdade de cada
uma das partes, permite facilitar o aperfeiçoamento da mediação. Como já vimos,
o mediador deve ser neutro tomando cuidado tanto com as emoções das partes
quanto às soluções a tomar. Essa neutralidade corresponde sobretudo ao objetivo
substancial do conflito em si, além das apreciações subjetivas e pessoais do
mediador. Quanto ao comportamento de imparcialidade, ele é a concretização e a
operacionalização da neutralidade. Ser imparcial significa manter o equilibro
entre as partes no conflito apesar das convicções intimas do mediador. Assim,
se completando, a neutralidade é a situação vivida pelo mediador, enquanto a
imparcialidade é a apreciação feita pelas partes da sua gestão do conflito. O
principio de confidencialidade obriga o mediador a não comunicar as informações
confidenciais e importantes a ninguém tampouco a um outro terceiro. Ademais,
numa conversa com uma parte separada, as informações comunicadas por esta ao
mediador, não devem, em nenhum caso, ser divulgadas à outra sem a permissão
daquela parte.
Isso
dignifica que a mediação não se faz fora do direito (natural ou positivo), mas
é parte integrante dele. Por isso, é recomendado que o mediador haja um bom nível
de conhecimento em matéria jurídica e de procedimentos judiciários, ou se não
tiver, é obrigatório engajar um especialista, pois, é verdade que o mediador
não é oficialmente um auxiliar da justiça nem não precisa ser necessariamente
um advogado, mas a execução da sua tarefa corresponde a uma certa justiça privada.
Nesse sentido, ele ajuda a justiça pública institucional. Portanto, toda
mediação normal se faz sob o respeito e o controle da lei. O princípio da
equidade faz chamada ao bom senso de razão e de lógica do mediador, a fim de
que seu julgamento seja justo e equitativo para evitar frustrações de uma das
partes. Por fim, no sétimo princípio que diz respeito à vontade das partes e ao
voluntarismo do mediador, é importante que as partes lembrem-se que a mediação
é a obra delas, elas são as principais artesãos e produtores da mediação, ela
não lhes foi imposta e, por fim, o mediador, mesmo se não tiver um papel
passivo, está no conflito só para facilitar melhor a tomada de decisão que será
exclusiva e essencialmente a iniciativa delas[13].
Sim,
qualquer seja o tipo de conflito, ele necessita uma mediação eficaz e, além
disso, a mediação é uma possibilidade social de resolver os conflitos. Porém, não
é todas as vezes que a mediação chega a resolver o conflito, ou seja, o sucesso
da mediação não é um adquirido, tudo depende da competência e da perspicácia do
mediador, do humor e do sentimento das partes em conflito. Isso, infelizmente,
é um dos erros grosseiros cometidos pelas mediações de pensar que elas têm que resolver
o conflito ao invés de criar uma atmosfera de confiança para levar as partes
mesmas a transformar o conflito sob sua direção e orientação. Só as partes têm
a capacidade e a vontade de resolver seu próprio conflito. Portanto, isso
significa que a mediação tem suas vantagens e seus limites.
4. Vantagens
e limites da Mediação
É
verdade que um problema não implica necessariamente um conflito, mas, o
conflito é um problema a resolver, ou seja, onde tem conflito, há problemas que
necessitam soluções. Ao chamar um intermediário para intervir num conflito, as
partes se tornam conscientes da gravidade do conflito, aceitam tacitamente de
assinar um contrato social concedendo uma parte do seu direito a este terceiro
para facilitar sua tarefa e este terceiro pode se consagrar a uma das tarefas
seguintes: encontrar uma solução ao problema e permitir às partes reconquistar
suas relações sociais (é a tarefa o mais desejável de uma mediação); encontrar
uma solução sem restabelecer as relações sociais entre as partes; conseguir
reorganizar e tecer de novo as relações sem, no entanto chegar a uma solução do
problema que foi à origem do conflito; e, enfim, infelizmente, passar tempo a
discutir sem ter sucesso na mediação, ou seja, sem encontrar uma solução ao
conflito nem reparar as relações sociais (CARRÉ, 2013; MARSAN, 2006; PEKAR,
COLSON, SALZER, 2008). Como já dissemos, a mediação representada na figura do
terceiro, sempre ressalta a dimensão social do conflito e diminui
consideravelmente sua potência individual. Portanto, na imagem do terceiro, a
mediação é uma ação social, ou seja, a imagem da sociedade que age. Mas, apesar
de ser vantajosa tanto para as partes como para a sociedade, a mediação não
garante e não pode garantir uma resolução completa das situações conflituosas,
em outras palavras, a certo ponto, a mediação pode ser um insucesso e,
consequentemente, as partes vão continuar a se brigar. Todavia, isso não deve
ser uma surpresa, uma mediação não tem só como finalidade imprescindível de
chegar a um trato de paz entre as partes – o que seria o desejo e a esperança
de todos. Porém, ela pode falhar, e a
falha faz parte também de um dos resultados esperados de uma mediação. Por
exemplo, se num conflito, uma parte se mostra de má fé fazendo simulações, este
um fato do limite da mediação. Nesse sentido, não tem como falar de resolução
do conflito. Assim, a complexidade das relações sociais, a má fé das partes e a
incompetência do mediador de dominar e aplicar os princípios da mediação
constituiriam os principais limites da mediação (CARRÉ, 2013; MARSAN, 2006;
PEKAR. 2008).
Considerações finais
Em
suma, o conflito é um elemento da vida. É um fenômeno social normal como o
terremoto o é para os fenômenos naturais (COSER, Op. cit. p. 32-33). Ele é uma
realidade social irrefutável. Os conflitos – qualquer seja sua natureza – são
feitos para serem problematizados, geridos, resolvidos e transformados e não
para serem dramatizados. Tudo isso passa pelo papel da mediação. A presença de
um mediador no conflito é muito importante porque enfraquece o peso do
individualismo do conflito. É difícil que as partes cheguem a negociar entre si
sem risco de violência verbal ou física. A importância da mediação cumprida
pelo terceiro é dissipar as confrontações inúteis, por isso, sua presença se
torna cada vez mais essencialmente imprescindível e incondicional. A mediação é
ainda fundamental para o fortalecimento do tecido social. É por isso que os
mediadores devem levar um tempo mais ou menos razoável, dependentemente da
delicadeza do conflito, a preparar sua mediação antes de se engajar num
processo de gestão, resolução e transformação do conflito, pois é um papel
muito difícil. Enfim, devemos ver no papel e no lugar da mediação no conflito a
chave preciosa que abri as portas de relações sociais às diferentes partes
protagonistas e que garante aos membros uma integração social.
20/11/2015
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[1] Ver Lúcia da Costa Ferreira. Os fantasmas do vale: qualidade ambiental e
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[2] « A oposição dos contrários é condição da
evolução das coisas e ao mesmo tempo princípio da lei. O estado de
estabilidade, de concórdia, e de paz, é apenas a confusão das coisas na
iluminação geral (...) O que é contrário é útil e é do que está em luta que
nasce a mais linda harmonia; tudo se faz por discórdia...O combate é pai e rei
de todas coisas; de alguns, ele criou deuses, de alguns homens, dos uns
escravos, dos outros homens livres. » (MARSAN, 2008, p. 11) (Nossa tradução)
[3] No seu livro que trata da sociologia do
conflito, o sociólogo francês Julien Freund e eminente comentador de Weber,
descreveu vários cenários a partir dos quais um conflito pode nascer. Todavia,
em resumo, o objetivo do autor foi ressaltar a dimensão da relação social, mostrar que uma situação muito banal que os
indivíduos conhecem na vida cotidiana pode criar um conflito a partir de um desacordo,
enfim, sublinhar a importância da presença do outro no conflito, pois, segundo
ele, um conflito nunca acontece sem a presença de um outro ou dos outros (FREUND,
1983, p. 17-19).
[4] Ver Avraham Sela, Elhanan Yakira. La religion dans le conflit
israélo-palestinien. Presses Universitaires de France/Cités, vol. 2, no.
14, 2003, p. 13-27. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-cites-2003-2-page-13.htm. Último acesso em 10-08-2014; Paul Garde. Le rôle des
religions dans les conflits balkaniques. Presses Universitaires de France/Cités,
vol. 2, no. 14, 2003, p. 91-104. Disponível em http://www.cairn.info/revuecites-2003-2-page-91.htm. Último acesso em 10-08-2014.
[5] Cordula, Reimann. Assessing the state of the
art in conflict transformation. Disponível em: http://www.berghof-handbook.net , p. 3.
[6] Alain Touraine. Conflits Sociaux. Encyclopædia Universalis [en ligne]. Disponível em : http://www.universalis.fr/encyclopedie/conflits-sociaux/. Acesso em 9 de novembro de 2015.
[7] A oposição de um membro do grupo a um
companheiro, por exemplo, não é um fator social puramente negativo, quando
vezes tal oposição pode tornar a vida ao menos possível com as pessoas
realmente insuportáveis (...) Nossa oposição nos faz sentir que não somos
completamente vítimas das circunstâncias. Permite-nos colocar nossa força à
prova conscientemente e só dessa maneira dá vitalidade e reciprocidade às
condições das quais, sem esse corretivo, nos afastaríamos a todo custo.
(SIMMEL, 1983: 127).
[9] Além dessas diferenças e do papel de terceiro imparcial
reconhecido ao mediador e ao arbitro, Freund, retomando a teoria do terceiro de
Simmel, mostra que, em alguns casos, o terceiro pode ser uma pessoa em favor de
quem o conflito vem acontecendo, ou seja, aquela que encoraja as partes a
entrar em conflito a fim de poder governar melhor. Esse terceiro é um
instigador do conflito e, desse fato, não é mais um terceiro, mas uma parte que
se envolve direta ou indiretamente no conflito (FREUND, Op. cit. p. 287-301).
[10] « Em junho de 1998, 35 chefes nuer e dinka e
lideres religiosos se reuniram num local chamado Loki (Lokichogio, no Quênia) e
iniciaram conversações pelo fim das hostilidades, do roubo de gado, dos raptos,
das destruições de aldeias, pela restauração da possibilidade de transitar
dinka/nuer. O acordo prévio de Loki deu origem e uma conferência de paz
Dinka-Nuer, em março de 1999, no vilarejo de Wunlit, em território dinka. Ali
pousara o avião de que descia o chefe Isaac Magok, na primeira cena evocada
acima. A presença em terras dinka de Magok, guerreiro respeitado e temido, era
percebida pelos presentes como o inicio mais forte de que o conflito acabaria »
(PERRONE-MOISÉS, 2001, p. 130).
[11] Nossa tradução
[12] Nossa tradução
[13] Para ter mais detalhes sobre os sete
princípios de Pekar, ver Lempereur Alain Pekar,. Méthode de
médiation: Au coeur de la conciliation. Paris: Dunod, 2008. p. 62-85.
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