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A DIVISÃO ABISSAL ENTRE REGULAÇÃO/EMANCIAPAÇÃO E APROPRIAÇÃO/VIOLÊNCIA


Resenha
 DE SOUSA SANTOS, Boaventura. Para além do pensamento abissal:  Das linhas globais a uma ecologia de saberes.  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000300004

A divisão abissal entre regulação/emancipação e apropriação/violência (p. 77-84)

No início do texto, Boaventura relaciona o paradigma regulação/emancipação que está deste lado da linha às sociedades metropolitanas e o da apropriação/violência que está do outro lado da linha aos territórios coloniais, segundo ele a modernidade ocidental é fundada sobre o paradigma regulação/emancipação, pois o pensamento moderno é um pensamento abissal (p. 71). No seu texto tratando da regulação/emancipação no contexto educacional, Stephen Stoer mostra que o setor educacional está regulado pelo mercado, a educação se torna uma empresa, isso entra num processo de reconceptualização e re-significação da educação. De outro lado, o autor entende a emancipação no sentido da relação entre o sujeito e o real, segundo ele a educação baseada sobre uma emancipação do sujeito desenvolve-se através de tecnologias políticas dominadas pela trilogia: mercado, gestão e performatividade (STOER, 2002). Em Boaventura, os conceitos como deste lado da linha e do outro lado da linha permitem distinguir categoricamente esses dois paradigmas. Apropriação/violência está do lado do governo colonial enquanto regulação/emancipação está do lado do estado moderno. As linhas abissais sobreviverem aos deslocamentos permanecendo fixas. Essas linhas foram atacadas por dois abalos, de um lado, as lutas anticoloniais para independência das antigas colônias e contra a exclusão radical e, do outro, a supremacia do paradigma apropriação/violência sobre o da regulação/emancipação. Esse movimento ocorrido nos anos setenta, se encontra composto de dois elementos: o regresso do colonial e do colonizador, e o cosmopolitismo subalterno (p.77-78).

Por regresso do colonial[1] é preciso entender uma metáfora para designar aqueles que são considerados como uma ameaçada para as sociedades metropolitanas. O conflito israelo-palestino e a criação pela administração norte-americana de um "combatente do inimigo ilegal" após 11 de setembro representam as metáforas principais dessa nova linha abissal (p.79). Esse movimento abrange três formas principais: o terrorista, o imigrante indocumentado e o refugiado (p.78). Cada uma dessas formas está ligado a um tipo de atividade específica,  isto é, o terrorismo aos serviços secretos, o trabalhador imigrante ao subemprego nas manufaturas, e enfim, o refugiado ao status de refugiado numa sociedade metropolitana particular. Segundo o autor, o colonial da época de escravatura não é a que se encontra nas sociedades metropolitanas hoje, trata-se de um novo colonial abissal que demonstra um nível de mobilidade imensamente superior ao dos escravos fugidos. (p.78). O paradigma da apropriação/violência exerce uma pressão sobre o da regulação/emancipação. Fazem parte dessa pressão, o terrorista e o imigrante indocumentado. Para que a modernidade ocidental possa se expandir, é preciso violar os princípios reconhecidos ao paradigma da regulação/emancipação como os direitos humanos, a democracia e a vida que sofrem uma espécie de camuflagem, ou seja, não são normalmente garantidos. Com efeito, as linhas abissais se definem em dois sentidos: metafórico e literal, nesse último sentido encontra-se as fronteiras definidas como zonas proibidas, a divisão das cidades em zonas civilizadas e zonas selvagens, e a distinção entre prisão como local de detenção legal e local construído à margem da lei. (p. 79).

O regresso do colonizador[2] traduz a substituição do poder do estado moderno ao setor privado em que os serviços públicos se tornam privatizados. Nesse sentido, o privado toma o controle da população se enriquecendo. A parte mais fraca depende da parte mais forte à qual é concedido o poder de veto. Boaventura compara esse tipo de poder ao regime de fascismo social caracterizado por uma forte desigualdade social. Ele trata de três entre as cinco formas de fascismo social que ele distingui: o fascismo de apartheid social (segregação social)[3], o fascismo contratual (privatização dos serviços públicos)[4] e o fascismo territorial (tomada de controle do território pelos atores de forte capital)[5]. O fascismo social encontra seu cumprimento numa política democrática liberal: "Como regime social, o fascismo social pode coexistir com a democracia política liberal. Ele a banaliza a ponto de não ser necessário, nem sequer conveniente, sacrificar a democracia para promover o capitalismo... De fato, creio que talvez estejamos entrando num período em que as sociedades são politicamente democráticas e socialmente fascistas." (p. 81).

Esse fascismo social cria uma nova forma de governo indireto caracterizado pela transformação da propriedade sobre as coisas e sobre a produção. Assim, o pensamento abissal moderno evolui sob as condições impostas pelo governo indireto: "Sob as condições do novo governo indireto, o pensamento abissal moderno, mais do que regular os conflitos sociais entre cidadãos, é solicitado a suprimir os conflitos sociais e a ratificar a impunidade deste lado da linha,como sempre ocorreu do outro lado da linha."(p. 82).

Por cosmopolitismo subalterno, deve-se entender novas alternativas para produzir um pensamento pós-abissal, é ao mesmo tempo uma resposta contraditória aos abalos sofridos pelas linhas abissais globais nos anos setenta. A sua concretização depende do que o autor chama "sociologia das emergências[6]"  Enfim, o cosmopolitismo subalterno defende uma outra visão do mundo onde o que é ocidental e não-ocidental podem coexistir: "Por um lado, defende que a compreensão do mundo excede largamente a compreensão ocidental do mundo, e que a nossa compreensão da globalização, portanto, é muito menos global do que a própria globalização. Por outro lado, defende que quanto mais compreensões não-ocidentais forem identificadas mais evidente se tornará o fato de que ainda restam muitas outras por identificar, e que as compreensões híbridas — com elementos ocidentais e não-ocidentais — são virtualmente infinitas." (p. 84).

Em suma, a impossibilidade de encontro entre o paradigma regulação/emancipação e o da apropriação/violência traduz uma das fundamentais características do pensamento abissal.

Bibliografia
DE SOUSA SANTOS, Boaventura. Para além do pensamento abissal:  Das linhas globais a uma ecologia de saberes. Disponível online em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000300004.
STOER, Stephen. Educação e globalização: entre regulação e emancipação. Revista Crítica de Ciências Sociais, 2002.

Campinas, 8 de outubro de 2012




[1] O regresso do colonial não significa necessariamente sua presença física nas sociedades metropolitanas. Basta que tenha uma ligação relevante com elas. (p.78)
[2] O outro lado do movimento em questão é o “regresso do colonizador”, que implica o ressuscitamento de formas de governo colonial tanto nas sociedades metropolitanas — agora incidindo sobre a vida dos cidadãos comuns — como naquelas anteriormente sujeitas ao colonialismo europeu. (p.79)
[3] Para se defenderem, transformam-se em castelos neofeudais, os enclaves fortificados que caracterizam as novas formas de segregação urbana (cidades privadas ou condomínios fechados). A divisão entre zonas selvagens e civilizadas está se transformando em um critério geral de sociabilidade, em um novo espaço-tempo hegemônico que perpassa todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais e que por isso é comum aos âmbitos estatal e não-estatal. (p.80).
[4] Essa forma de fascismo ocorre hoje freqüentemente nas situações de privatização de serviços públicos como os de saúde,segurança social,abastecimento de água etc.37.Nesses casos,o contrato social que orientava a produção de serviços públicos no Estado-Providência e no Estado desenvolvimentista é reduzido ao contrato individual do consumo de serviços privatizados. (p.80).
[5] Essa forma de fascismo ocorre hoje freqüentemente nas situações de privatização de serviços públicos como os de saúde,segurança social,abastecimento de água etc.37.Nesses casos,o contrato social que orientava a produção de serviços públicos no Estado-Providência e no Estado desenvolvimentista é reduzido ao contrato individual do consumo de serviços privatizados. (p.81).
[6]Consiste numa amplificação simbólica de sinais, pistas e tendências latentes que,embora dispersas,embrionárias e fragmentadas, apontam para novas constelações de sentido referentes tanto à compreensão como à transformação do mundo. (p. 83).

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