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A INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E MOVIMENTO: UMA REFLEXÃO SOBRE O REPERTÓRIO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE OCUPAR CARGOS NO ESTADO

Introdução
A estratégia de ocupar cargos no Estado faz parte dos repertórios de interação entre Estado e movimento social, lembrando que o conceito de repertório foi inventado por Tilly para analisar as ações dos movimentos sociais. Estatisticamente, é difícil dizer quantas vezes ativistas sociais conseguem entrar no Estado, fazem o trânsito entre Estado e sociedade civil e vice-versa, todavia, desde o século XX, essa estratégia empregada pelos movimentos sociais se torna muito famosa e consegue colocar em xeque a homogeneização, a opacidade e a impermeabilidade do Estado burocrático. Mas, quais são a importância e os limites dessa estratégia? Este artigo quer, então, discutir esse problema provocando algumas reflexões. Assim, vamos, primeiro, considerar a relação entre Estado e movimento, segundo, definir do conceito de repertório, para, por fim, abordar essa estratégia cuja discussão será baseada em três estudos de casos feitos por Abers, Serafim e Tatagiba, Dowbor e Silva e Oliveira.

1.      Relação entre Estado e Movimentos sociais

A relação entre Estado e movimentos sociais sempre foi um assunto que ocupa um lugar central nos debates contemporâneos, tanto na ciência política como na sociologia. Tal relação se identifica – dependentemente da época, dos atores e do contexto político – seja ao conflito, nesse caso os dois campos se opõem antagonicamente[1], seja à colaboração entre os dois onde os dois atores, a saber, o Estado e os movimentos sociais, criam entre si um canal de dialogo e de discussão para facilitar a interação[2].  Ademais, essa relação pode ser vista também numa perspectiva mais ampla de diferenciar ação política institucional – no centro da qual se encontram o Estado e os partidos políticos – da ação política não institucional que é obra de um conjunto de atores da sociedade civil, dentre os quais podemos citar os movimentos sociais (Goldstone apud Dowbor, 2014, p. 89-93). Nesse sentido, é possível estar em presença de uma multiplicidade e diversidade de atores que interagem entre si e com o Estado, que só a teoria de redes sociais e políticas poderia nos ajudar a entender as interações e inter-relações entre eles.

Na leitura da maioria dos textos de diferentes autores como (ABERS, SERAFIM E TATAGIBA, 2014; ABERS E TATAGIBA, 2011; ABERS E BÜLOW, 2011; OLIVEIRA, 1993; CAMILA, 2013; DOWBOR, 2014; SILVA E OLIVEIRA, 2011), entre outros, que abordam a questão das relações entre Estado e Movimentos Sociais, onde a ênfase se coloca nas diversas táticas que estes utilizam para organizar suas lutas, três ideias fundamentais chamam nossa atenção. A primeira é que percebemos que a maioria dos avanços e progressos que acontecem nas sociedades contemporâneas, por exemplo, no caso da sociedade brasileira, nascem no âmbito dessas relações conflituosas e são ao mesmo tempo fruto de grandes lutas que aquelas sociedades têm levado através, principalmente, dos movimentos sociais tanto fora como dentro do Estado[3]. A segunda se refere ao fato de que, ao construir entre si certas relações e ao interagirem-se, as ações do Estado têm impactos positivos sobre os movimentos sociais[4] incentivando-os a se institucionalizar e a se tornar cada vez mais fortes por um lado, mas, por outro lado, o Estado também acaba de ser fortemente influenciado por esses movimentos que o pressionam cada vez mais. Nesse sentido, há possibilidade de falar de influência mútua e de enxergar nessa interação um espaço ao mesmo tempo de conflito e de acordo (CAMILA, 2013, p. 103-104). Portanto, – é o que constitui a terceira idéia –, não somente as conquistas da sociedade passam essencialmente pelas lutas dos movimentos sociais, mas sobretudo, atingidas difícil e duramente, estas foram também possíveis pelo tipo de repertório usado[5].
Porém, isso não significa que o Estado não é ou não pode ser, de por si mesmo, progressista, mas, ele o será mais se for pressionado por uma sociedade civil forte, bem organizada e institucionalizada, cujas demandas e reivindicações, exprimidas geralmente através dos movimentos sociais, traduzem sempre sua insatisfação das políticas públicas conduzidas pelo Estado. Essa pressão, que deve ser vista como sendo produzida num âmbito relacional e interacional, é suscetível obrigar então o aparato estatal a ser mais aberto e permeável; reformular de concerto com a sociedade civil os projetos políticos – um dos espaços de predileção não apenas de encontro entre Estado e sociedade, mas sobretudo, de interação entre eles –; reforçar os espaços de participação institucional já existentes; criar outros espaços de debates e de diálogos para que a sociedade civil possa, amplamente, participar nas decisões políticas.                                                    
Em segundo lugar, seria errado interpretar essa relação entre Estado e movimentos sociais só de maneira contenciosa, ou seja, não vale a pena de continuar considerando o Estado e os movimentos dois inimigos cujas relações são sempre regidas por confrontações e contradições. Tal concepção é, apesar de tudo, compreensível se for preciso inseri-la num contexto político em que o estado é fechado. Porém, se nos basearmo-nos só nela, ela limitará nosso entendimento do papel real que tanto os movimentos sociais como o Estado podem desempenhar na construção de uma sociedade democrática. Ao invés disso, essas relações precisam ser entendidas, de um lado, como uma possibilidade para que a sociedade possa obter mais satisfação nas suas reivindicações, para o Estado se transformar do outro.
Assim, essa interação produz, pelo menos, duas consequências: Primeiro, a transformação do Estado em um espaço de militância, ou seja, com essa estratégia, os movimentos têm mais facilidade não apenas de levar suas demandas dentro do Estado, pressionar o Estado, valorizar a política do conflito, mas também criar outras arenas participativas, segundo, a criação de uma zona de intersecção[6] (BANASZAK apud SILVA e OLIVEIRA, 2011; MEZA e TATAGIBA, 2014) onde Estado, partidos políticos, movimentos sociais, organizações sociais, ONGs, entre outros se cruzam. Nesta zona de intersecção tão complexa, que podemos chamar também espaço de encontro e de cruzamento, os atores se influenciam mutuamente, se interagem entre si e essa interação produz fortes impactos sobre os próprios diversos atores e também sobre o espaço no qual ela está acontecendo.
O que convém finalmente memorizar aqui é que a relação entre Estado e movimentos sociais é problemática, complexa e sempre conflituosa, porque, além de ter como base de construção a confiança, trajetória, historia e experiência compartilhadas; ela se funda sobre uma infinidade de elementos interligados entre si e sobre uma multiplicidade de atores que faz o vai e vem entre o Estado e a sociedade civil interagindo entre si. Por fim, os atores podem conjugar vários repertórios entre si para não somente construir, manter e fortalecer essa relação, mas também para chegar a ingressar o governo. Daí a importância de definir o conceito de repertório antes de abordar a estratégia dos movimentos sociais de ocupar cargos no Estado.

2.      Definição do conceito de repertório

Tilly (2008) é um dos pioneiros do conceito de repertório de ação que, à origem, foi concebido para analisar as diferentes táticas de lutas dos movimentos sociais. Ele e Goldstone (2003) têm esse mérito de ter propondo uma teoria de repertório que permite de entender melhor o conjunto de estratégias que os movimentos empregam para lutar contra o sistema burocrático que representa o Estado. Nesse sentido, em Tilly, o conceito de repertório apareceu num contexto de política contenciosa definida por uma relação de confrontação e de protesto entre o Estado e o movimento. Na definição seguinte ele entende por repertório:
[...] um conjunto de performances reivindicatórias, que são criadas historicamente, com o alcance limitado e de caráter familiar e circunscrevem geralmente as formas que as pessoas empregam para se engajar na política contenciosa (TILLY, 2008 apud DOWBOR, 2014, p. 85-86).

Em Goldstone, os protestos dos movimentos são ações extrainstitucionias e todo movimento tem por finalidade a política institucionalizada convencional, portanto, para ele, há uma complementaridade entre protestos e ação política convencional (GOLDSTONE, 2003 apud DOWBOR, 2014, p. 89-90). Assim, qualquer outro repertório de ação acrescentado ao protesto se relaciona, de acordo com Goldstone, à ação política convencional como sustenta a seguir:
[...] a atuação de movimentos sociais e ação política convencional constituem duas formas diferentes, porém paralelas, para influenciar os resultados na política. São frequentemente criadas pelos mesmos atores, almejam as mesmas instâncias e visam aos mesmos objetivos (GOLDSTONE, 2003, p. 8 apud DOWBOR, 2014, p. 90).

Na definição de Tilly, há, pelo menos, dois elementos que merecem chamar nossa atenção sobre o conceito do repertório: a noção do limite e da variação. Com efeito, o uso de um repertório se limita a uma prática social que, sendo independente dos atores e antecipando sua existência, os mantém num constrangimento dinâmico. Ou seja, os atores não podem usar, inventar, reproduzir ou reinterpretar qualquer tipo de repertório de ação sem levar em conta a realidade cultural, social e política no qual eles estão evoluindo. Esse limite é, podemos dizer, uma imposição do social e do político. Em outras palavras, o sucesso e o resultado do repertório de ação dependem não somente da natureza da sociedade na qual ele é aplicado, mas também do contexto histórico em que os atores o empregam. Isso quer dizer que o repertório não pode ser um data nem uma coisa infinita ou cair do céu, mas, sendo em constante mudança e obedecendo à condição da evolução e da dinâmica do movimento, ele é uma criação cultural e uma construção metodológica dos atores coletivos para levar suas reivindicações[7]. O aspecto de variação, em segundo lugar, leva em conta duas variáveis: tempo e espaço. Os parâmetros temporais e locais desempenham um papel crucial no uso do conceito de repertório, pois, cada sociedade apresenta configurações sócio-políticas diferentes em períodos e espaços distintos, ou seja, o uso dos repertórios muda, de maneira constante, de uma período a outro e de um campo a outro[8] no sentido bourdieusiano do termo (DOWBOR, Op. cit. p. 86-87). Todavia, num mesmo período histórico podemos ter uma variação espacial de repertórios.
Os elementos acionados do repertorio podem variar de um lugar para outro no mesmo período histórico o que explicaria, por exemplo, os conjuntos de ações diferentes utilizados pelos ativistas antinucleares na França e nos Estados Unidos. Os primeiros usaram primordialmente as demonstrações nas ruas, por que o sistema político estava fechado, enquanto os segundos se valeram da ação nas cortes de justiça e via partidos (Ibid, p. 87).

Portanto, o repertório é um conjunto de táticas de luta coletiva e historicamente pensado e construído, que se adapta ao espaço geográfico onde os movimentos acontecem. Ele não é estático, mas dinâmico e conjuntural, em outras palavras, são as conjunturas sócio-políticas que criam de fato os repertórios. Desse fato, se hoje o contexto político muda, então o repertório de relação entre Estado e movimento muda também, isto é, contenciosa e antagônica que era essa relação nos séculos XVIII e XIX, ela acaba de ser transformada em interação e inter-relação desde o século XX. Essa transformação é importante para o futuro da democracia e traduz uma vitória da sociedade civil que conquistou mais espaços públicos de interagir com o Estado. Assim, segundo Silva e Oliveira (2011), o antagonismo, a inimizade e a oposição radical que caracterizavam as relações anteriores entre Estado e movimentos sociais não devem ser tratados como um caráter universal e geral destes, mas devem ser entendidos e colocados num contexto histórico e político em que a sociedade civil estava em face de um regime ditatorial, opressor e fechado aos debates.

Nesse sentido, alguns cuidados precisam ser tomados quando se pensar no conceito de repertório de Tilly, principalmente, no caso brasileiro onde ele encontra alguns limites.

É preciso lembrar, então, que o conceito de repertório de Tilly foi inventado num contexto histórico em que o Estado e os movimentos sociais eram vistos como inimigos e seu encontro sempre terminado por ações violentas. Em outras palavras, os movimentos sempre se colocam em confrontação ao Estado como um adversário a eliminar e vice-versa. Mas, as mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que aconteceram nas sociedades contemporâneas recolocam em questão o uso do conceito de repertório de ação tal como proposto por Tilly (2008) e Tarrow (2009), o que incentivam os autores contemporâneos a pensar de outra maneira as relações entre Estado e movimento[9]. Nessa perspectiva, o caso brasileiro é impactante e é ele que coloca em xeque essa velha concepção. Com efeito, alguns teóricos dos movimentos sociais no Brasil[10] sublinham, ao menos, três cenários que permitem entender esses limites. Primeiro, alguns movimentos sociais, desde o regime militar e ditatorial, já conseguiram interagir com o Estado e até entrar no aparato estatal, o que coloca em xeque a concepção opaca e homogênea do Estado. Os projetos políticos, em segundo lugar, criam excelentes ocasiões de diálogos, de discussões e de compartilhamento de objetivos entre Estado e movimentos. Por fim, a criação de movimentos de peso no Brasil, é, na maioria das vezes, o fruto de alianças criadas entre atores sociais e governamentais que atuam dentro e fora do Estado, o que, segundo Abers, Serafim e Tatagiba, aparece ser contraditório à visão do Estado como contraponto do movimento[11]       
A partir daí – apesar da sua utilidade e sua importância – o conceito de repertório de Tilly necessita de um repensamento para adaptá-lo a realidade atual e pensar as relações entre Estado e movimentos sociais não só numa perspectiva de conflito, mas também de cooperação. Assim, Guigni e Passy propõem ampliar o conceito de repertório de ação contenciosa de Tilly completando-o pelo repertório de cooperação conflituosa entre Estado e movimento no âmbito da política do conflito (GUIGNI e PASSY apud DOWBOR, Ibidem, p. 86). Baseando-nos nessa proposta de Guigni e Passy, a quem convém o mérito de reconstruir o conceito de repertório de Tilly, podemos dizer que essa política de cooperação faz chamada a uma constante ajuda mútua e recíproca entre Estado e movimento no âmbito da execução das políticas públicas. Por outro lado, mergulhando-se na realidade política brasileira, Abers, Serafim e Tatagiba propõem completar o repertório de ação de Tilly pelo repertório de interação no objetivo de entender as interações entre atores estatais e ativistas sociais, principalmente, no âmbito da estratégia que consiste em ocupar cargos dentro do Estado forjando as barreiras burocráticas deste.                                                                         
Porém, esse repertório de cooperação não diminui nem apaga os outros repertórios preexistentes, a saber, marchas, protestos, mobilizações etc., ao contrario, em qualquer momento, antigas estratégias podem reaparecer e novas resurgir, pois, o conceito de repertório em si mesmo remete a uma conexão entre o passado e o presente, a uma atualização e reatualização das velhas rotinas do passado, por fim, ele coloca em jogo tradição e inovação (Ver PATERNIANI, TATAGIBA e TRINDADE, 2012). Também, seja a cooperação ou a interação, nenhum dentre elas não significa, em segundo lugar, a ausência do conflito entre Estado e movimento[12] traduzindo uma certa política de convivência, de cumplicidade ou de clientelismo entre eles. Em resumo, como foi dito, os repertórios são diversos, pertencem não a um ator individual, mas a um ator coletivo e variam em função da conjuntura política. Para evitar se perder nessas diversidade e variedade dos repertórios, gostaríamos de enfatizar um, a saber, ocupar cargos no Estado, ressaltando sua importância e seus limites.

3.      A importância e os limites da estratégia dos movimentos sociais de ocupar cargos no Estado

Existem várias maneiras pelas quais o Estado interage com a sociedade civil em geral, com os movimentos sociais em particular. Dentre as quatro rotinas[13] de interação entre Estado e movimentos sociais definidas por Abers, Serafim e Tatagiba, a que consiste em ocupar cargos no Estado será a base da nossa reflexão aqui, porque, ao conectar-se com as outras, ela permite entender melhor as relações que se tecem entre Estado e movimentos sociais. O objetivo é provocar uma reflexão ressaltando a importância e os limites dessa estratégia. Assim, vamos nos referir aos estudos de caso feitos por Abers, Serafim e Tatagiba (2014), Dowbor (2014), Silva e Oliveira (2011) para discutir essa estratégia.
É claro que a estratégia de ocupar cargos no Estado – nascida para mostrar que o Estado não é mais homogêneo e que os movimentos sociais não se contentam só em lutar fora do Estado praticando uma política não institucional –, não é uma novidade da era democrática no Brasil, pois, essa prática remonta ao regime militar. Também, ela não é uma inovação do chamado “novos movimentos sociaisˮ. Todavia, ela traduz a vontade dos movimentos de não apenas influenciar as políticas públicas do Estado, mas sobretudo, ter dentro do Estado seus próprios partidários que atuam, ao mesmo tempo, em seu nome e em nome do Estado. A maior dificuldade destes, então, é, de um lado, conseguir dissociar interesses individuais dos seus movimentos dos interesses estatais que refletem as demandas da sociedade em geral, desempenhar um papel duplo como ativista social e ator estatal, do outro.                                                                         
Antes entrar nesses estudos de casos, precisamos entender que a estratégia de ocupar cargos no Estado é uma das especificidades dos partidos políticos que foi imitada pelos movimentos sociais, segundo, ela trouxe, no Brasil, avanços e mudanças muito significativos nas relações entre Estado e sociedade civil, particularmente, na alteração do esquema burocrático deste último demonstrando que o lugar dos movimentos não está só nas ruas, pode estar também no Estado, por fim, sendo um repertório de interação, ela toma a forma do Estado no qual se aplica.
Com efeito, no estudo de caso de Abers, Serafim e Tatagiba (2014) sobre os diferentes movimentos sociais no governo Lula[14], constatamos, por um lado, uma forte interligação entre as diferentes rotinas, do outro lado uma conexão causal direta de cada uma delas com a estratégia de ocupar cargos no Estado que, com certeza, em cada contexto, produz efeitos diferentes. Por exemplo, o movimento urbano da reforma urbana celebrou sua vitória da criação do Ministério das Cidades após muitos protestos e participações em conselhos e conferências. Ademais, a nomeação, em 2003, de Olívio Dutra como ministro vem reforçando essa vitória mesmo que, após dois anos, em 2005, ele fosse substituído por Márcio Fortes, o que, consequentemente, mudou as rotinas de interação Estado-Movimento e também as relações entre os funcionários do Estado e os ativistas (Ibidem., p. 336-337). No caso da segurança pública, as autoras enfatizam pouco a questão de ocupar cargos, pois, trata-se de um caso particular em que a iniciativa venha das diversas organizações da sociedade civil que não acabaram de alertar as autoridades sobre os múltiplos casos de violência que ocorreram na sociedade brasileira, em particular, no Rio de Janeiro (Ver p. 342-346).
Ocupar cargos no Estado não foi uma estratégia rejeitada pelo movimento da reforma agrária engajada pelo MST[15], mas, a experiência no passado com o governo de Cardoso, faz que esse movimento – que usa como repertório protesto e ação direta, daí sua tradicional e histórica tática de combate: O acampamento –, tomasse alguns cuidados antes de entrar nesse processo: “Os movimentos rurais associaram o modelo de conselhos à abordagem mercadológica da política agrária de Cardoso, vendo-os com desconfiançaˮ (Op. cit., p. 340). E, apesar da sua proximidade com o governo Lula, que é chamado seu aliado, ele continua usando os repertórios tradicionais, como, por exemplo, acampamentos, marchas, protestos, talvez, agora com mais elegância que anteriormente. De fato, em 2003, essa proximidade mudou o esquema de interação entre o Estado e o movimento e possibilitou uma dinâmica de negociação, de relação direta e personalizada com o governo e de participação institucionalizada que se efetua através dos conselhos e das conferencias, assim, os espaços de dialogo e de discussão entre o Estado e o movimento foram fortalecidos de maneira constante e continua. Assim, além dos cargos conseguidos, as conquistas desse movimento foram também a reestruturação das instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas relativas à reforma agrária, por exemplo, o CONDRAF[16]; a criação de outras instituições para reforçar as outras, neste caso, o CONSEA[17]; e, por fim, o fortalecimento da política de participação institucional e da política de proximidade entre atores estatais e sociais.   
Essa estratégia virou uma das particularidades do governo Lula na medida em que estamos observando não somente uma transformação dessa estratégia desde o regime militar, mas, sobretudo, uma certa “invasãoˮ do governo pelos militantes (grifo nosso). Com efeito, as duas gestões do Lula contenham a maior presença de ativistas dos movimentos sociais em comparação aos governos anteriores, isto é, enquanto no primeiro mandato a porcentagem era de 43 % no segundo ela passou a ser de 45 % (Ibidem., p. 326). Em outras palavras, ministros e secretários nesse governo foram oriundos dos movimentos sociais, alguns continuaram conservando esse estatuto enquanto estão agindo em nome do estado, portanto, são atores multifacetados.
No seu estudo, Monika Dowbor toca num outro aspecto do problema. Ela conseguiu mostrar que essa estratégia dos movimentos sociais de ocupar uma função dentro do Estado é, de um lado, dominada por um critério, a indicação; por outro, ela enfrenta um grande desafio, a permanência. Geralmente, aponta ela, são cargos designados por indicação, que ela chama também “cargos comissionadosˮ, e, por conseguinte, eles não são permanentes. Na citação seguinte, aparecem esses dois elementos:
Eleutério assumiu o primeiro cargo no Estado por indicação do seu professor da UNB e membro de Nutes-Clates, Henri Jouval. Tratava-se de um DAS 101.2, ou seja, daquele cuja nomeação dependia do Ministro e não do Presidente da República [...] Foi um percurso de dois anos, de 27 de novembro de 1980 a 29 de novembro a 1982, no qual Eleutério desenvolveu um plano de medidas de perfil reformista que racionalizavam as ações da agência responsável pela saúde previdenciária, o Inamps, e avançavam na integração das ações do MPAS, do Ministério de Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde ampliando a cobertura de acesso à saúde [...] A entrada nos cargos é, portanto, conjuntural e a permanência neles, descontínua (DOWBOR, 2014, p. 98-99, 117).

O problema não se situa, apesar de tudo, na nomeação, pois, sendo um ato administrativo de uma autoridade legal e legítima, ela obedece com certeza a critérios previstos pela lei sobre a função pública. Mas, ele se encontra na permanência que resulta do fato de que são cargos puramente políticos e estritamente ligados a esse repertório de interação. Com efeito, a permanência de um ativista social nos cargos estatais depende estritamente da vontade do seu superior hierárquico e da permanência deste último na sua função. Sobre esse assunto Dowbor relata o seguinte:
A aproximação com Carlos Sant’Anna, que era cotado e foi de fato nomeado Ministro de Saúde, resultou na indicação de Eleutério para o cargo do Secretário Geral do Ministério de Saúde, no qual permaneceu enquanto o titular que o nomeou esteve na direção da pasta, até,  aproximadamente, os meados de 1986 (Ibidem., p. 104).

Em segundo lugar, a questão do nível dos cargos não é também problemática, porque alguns militantes conseguiram ocupar cargos de alto nível, ministro, secretário etc., a começar, por exemplo, por Hésio Cordeiro, um ativista que compartilhou uma impactante trajetória de militante com Eleutério, ele foi presidente do Inamps, uma das prestigiosas instituições brasileiras responsável pela política de saúde de previdência do governo. É uma função cuja nomeação deve ser feia pela presidência da república (Ibidem). Todavia, a autora conseguiu mostrar também que, apesar de um tempo muito curto passar no Estado, esses ativistas conseguiram realizar importantes reformas, por exemplo, no caso de Eleutério, em um tempo recorde, ele conseguiu racionalizar as ações do Inamps com sua equipe formada, com certeza, de companheiros de luta. Isso mostra também a relação que poderia existir entre permanência e realização, ou seja, a permanência poderia facilitar uma realização mais eficiente e uma avaliação desta mais justa e racional.
No que diz respeito ao assunto do perfil dos ocupantes e dos diferentes cargos disponíveis, é melhor se referir ao estudo de D´Araujo e Lameirão[18], para ter mais ideias. Com efeito, como elas sublinham, ocupar cargos no Estado tem a ver também com o perfil dos ocupantes que cumprirão tal função que, ela mesma, obedece a vários critérios (Ver D´Araujo e Lameirão, 2009, p. 33-56). Em Dowbor assim como no trio (Abers, Serafim, Tatagiba) e em Silva e Oliveira, a ênfase sempre se coloca no aspecto do militantismo como perfil dos ocupantes de cargos no Estado.
Portanto, do nosso ponto de vista, a permanência dos militantes nos cargos estatais é um grande desafio para essa estratégia dos movimentos e pode ser um obstáculo à aplicação da qualidade de política que estes sonham levar dentro do Estado. Para evitar que estes sejam tratados como grupos de pressões que estão lutando para ir fazer figuração no Estado e não para pôr ações positivas cujas realizações seriam vantajosas para a sociedade dependentemente do tempo passado dentro do Estado, então, da permanência, é importante que a teoria dos movimentos sociais leve em consideração esse elemento. Pois, se essa estratégia não se faz acompanhar de uma política de permanência, é difícil avaliar eficientemente as ações e os resultados dos militantes ao longo do tempo.
O terceiro estudo de caso a levar em consideração se refere à pesquisa feita por Silva e Oliveira sobre o movimento de economia solidária no Rio Grande do Sul. Ela é dominada pela ideia central de retraçar os caminhos de entrada dos militantes no Estado e tem o mérito de reformular o sentido teórico da relação entre Estado e movimentos sociais. Nesse estudo, conseguimos identificar, até então, ao menos dois caminhos que levam os ativistas ao aparato estatal. Primeiro, o caminho da intersecção Estado-Movimento (SILVA e OLIVEIRA, 2011, p. 87-93), segundo, o caminho do trânsito institucional possibilitado pela interpenetração entre movimentos e partidos políticos, lembrando que as relações entre movimentos sociais, organizações sociais e partidos políticos são não somente um assunto tão complexo e complicado, mas também, uma questão pouco abordada pela ciência política brasileira (Ibidem., p. 94-99). Portanto, no caso do movimento de economia solidária, o caminho é, ao mesmo tempo, triplo e complexo, pois, não tem como estudar a trajetória dos militantes desse movimento até chegar a entrar no Estado sem considerar, de um lado, o papel relevante de um partido político como o PT que tem um vínculo associativo enorme, do outro lado, a atuação destes nas outras organizações da sociedade civil. É o que Mische, citado por Silva e Oliveira, chama de militância múltipla (Ibidem, p. 96). Não é possível tratar neste artigo de todas essas relações complexas entre movimentos sociais e partidos políticos nem daquelas que envolvem, além desses dois, o Estado e as organizações sociais, como, por exemplo, as ONGs.
Todavia, essa pesquisa tem, para nosso trabalho, uma certa importância complementar em comparação aos dois precedentes no sentido de que conseguiu nos mostrar que, no caso do movimento de economia solidária, ocupar cargos no Estado não se reduz à cooptação nem à corrupção, mas traduz a capacidade dos militantes de transitar entre o Estado, os partidos políticos e as diversas instâncias associativas, a capacidade do Estado e dos movimentos de coabitar juntos. Essa estratégia pode significar também que a experiência no Estado pode servir de catalisador para os ativistas atuarem nas ONGs ou em outras organizações da sociedade civil e vice-versa. Por uma outra vez, Silva e Oliveira nos apresentam um ator multifacetado, ou seja, que tem não apenas a capacidade de permanecer no Estado enquanto conserva vínculos com seus movimento e partido, como também a facilidade de transitar de um campo a outro.
O estudo de Silva e Oliveira é, além disso, interessante porque ressalta a maneira de que se faz o trânsito institucional. Por trânsito institucional os autores entendem
o deslocamento contínuo de militantes sociais-partidários por diferentes espaços de atuação (organizações sociais, partidos, fóruns institucionais e posições governamentais), o que é, em grande medida, possibilitado pela interpenetração partido-movimento. Assim, vitórias e derrotas eleitorais tendem a produzir um trânsito significativo de militantes da sociedade civil para o governo e vice-versa, gerando mudanças rápidas e intensas nas oportunidades de acesso institucional (tanto em termos de grau quanto em termos de forma) (Ibidem., p. 98).

Por fim, ela salienta também a complexidade e a dificuldade de tratar da relação entre Estado e movimentos sociais de maneira isolada, pois, essa relação envolve uma multiplicidade de atores que têm papeis múltiplos, por outro lado, o fato de que Estado e movimento compartilham os mesmos atores e que eles acabam de entrar numa dinâmica de relação inclusão/exclusão. Portanto, ocupar cargos no Estado não significa, no vocabulário desses atores, ser prisioneiro de uma arena de ação, mas ter a capacidade de transformar o Estado em redes de ações políticas.
Tanto no estudo do trio (Abers, Serafim e Tatagiba) como no de Dowbor e de Silva e Oliveira, três elementos resumem a estratégia de ocupar cargos no Estado. É que, primeiro, essa estratégia não tem consequências negativas sobre as outras, no sentido de que seria um defeito, nem não expressa o auge final de satisfação para os movimentos. Segundo, a política de proximidade parece ser a porta de entrada mais fácil para ocupar cargos no Estado, terceiro, o apoio sistemático e constante dos funcionários com vínculos participativos aos movimentos é muito frequente.  Segundo esses autores, além das conquistas que ela possibilitou[19], a estratégia de ocupar cargos no Estado deve ser entendida como um processo histórico, e, como todos os outros repertórios, ela é uma construção histórico-cultural e não espontânea. Por exemplo, no caso do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU): “o repertório de interação Estado-Sociedade nesta área da política foi construído em um período de 30 anos e incluiu todas as quatro rotinas discutidas anteriormente” (ABERS, SERAFIM e TATAGIBA, op. cit. p. 334).

Porém, apesar de ser importante e suscitar outras problemáticas, a estratégia de ocupar cargos no Estado tem seus limites. Nos baseamo-nos nas considerações acima para ressaltar alguns (será grifo nosso).

O primeiro dos limites dessa estratégia é que ela parece ser mais provável no caso dos governos de aliados, ou seja, quando, em particular no caso do governo Lula, atores sociais e atores estatais constroem entre si uma relação social e política quase perfeita baseada na historia e na trajetória política. Nesse sentido, ela não nos permite entender seus efeitos quando se tratar de um governo de não aliados, ou seja, na medida em que o aparato estatal é preenchido de atores que não compartilham entre si uma origem e um passado comuns de militantismo, essa estratégia seria completamente vazia de conteúdo. Assim, podemos perguntar, quais seriam a importância e os efeitos dessa estratégia num governo de oposição ou de transição? Por outro lado, desde o regime militar até o governo Lula passando pela transição democrática no Brasil, no uso dessa estratégia, é fácil ver um tratamento privilegiado concedido a alguns movimentos sociais em detrimento dos outros. O que é suscetível gerar – e gerou de fato – críticos severos de cooptação, de corrupção, de compra e de clientelismo contra esses movimentos pelos outros que ficam fora. (Ver ABERS, SERAFIM e TATAGIBA, 2014; TEIXEIRA, 2005; DOWBOR, 2014)
Há um segundo limite a sustentar, é que, apesar da sua conexão com as outras rotinas, como, por exemplo, com a política de proximidade e a participação institucionalizada, a rotina de ocupar cargos no Estado não permite analisar como atores estatais e não estatais se relacionam com as outras organizações sociais; como eles se comportam em frente de um superior hierárquico no momento de defender os interesses públicos; como, por fim, interagem entre si quando estarem em presença deste último dentro do quadro do Estado. Ela se limita portanto a partir do momento em que dificulta entender claramente o estatuto das funções nas quais os militantes foram ingressados no Estado. Desse fato, na medida em que ela se baseia em cargos indicados que, embora sejam importantes e estejam a um nível altamente elevado, são frágeis e permanecem dependentemente da boa vontade e do humor do superior hierárquico, é difícil que essa rotina produza os efeitos esperados. Por conseguinte, a natureza dos cargos e o perfil dos ocupantes fazem obstáculo à questão da permanência. Ora, a permanência poderia ser um elemento que permite uma melhor avaliação das ações dos militantes no âmbito da sua atuação dentro do Estado.
Pelo terceiro limite entendemos que essa estratégia cria uma certa ambiguidade entre militantismo e intelectualismo na medida em que, parece, prioriza o primeiro sobre o segundo, ou seja, ao enfatizar o critério de militantismo, é difícil entender essa estratégia numa perspectiva intelectualista. Portanto, apesar de serem muito formados, a entrada dos militantes no Estado, pelo que percebemos, se traduz mais como uma forma de recompensar sua trajetória militante do que sua capacidade profissional e intelectual de ocupar aquele cargo. Nesse sentido, o artigo propõe que, no âmbito da análise da estratégia de ocupar cargos no Estado, as capacidades intelectuais e o militantismo se conjuguem junto. Essa estratégia, não nos permite entender se os cargos a serem ocupados pelos militantes já existiram ou foram criados especificamente para eles adaptando-os a seu perfil, ou ainda, se são cargos especialmente fabricados e reservados à origem aos militantes de todo movimento social que tem como ambição de entrar no Estado. Essa estratégia, por fim, não permite sustentar se, embora todo movimento social nasça para defender demandas insatisfeitas, um dos seus principais objetivos é entrar no Estado.                                                                                            

O que é interessante sublinhar aqui, apesar dessas críticas, é que a estratégia ocupar cargos no Estado não muda nada na natureza e no caráter da burocracia do Estado, nem diminui a força e a energia dos movimentos sociais de lutar. Isso quer dizer que, além dos impactos mutuais, os atores permanecem autônomos e distintos uns dos outros dentro mesmo do desenrolamento dessa interação. Essa estratégia nos permite ver como a divergência e a convergência são importantes para a democracia, uma possibilidade de coabitação entre divergência e diferença numa perspectiva positiva, por fim, como Estado e sociedade podem se relacionar sem, no entanto, ser necessário buscar entre eles um ponto comum e um consenso (TEIXEIRA, op. cit.).

Mas, será que todos os movimentos sociais recorrem a essa rotina?

No caso do movimento de moradia de São Paulo, por exemplo, uma das táticas dominantes foi a ocupação de prédios e terrenos públicos e privados vazios em São Paulo, uma estratégia que, apesar de tudo, foi severamente criticada tanto pelas autoridades públicas como pela sociedade civil pela causa da sua violação flagrante do direito à propriedade privada. Apesar das divergências que suscitou esse repertório, ele foi o mais adaptado tanto ao contexto político como ao espaço em que o movimento acontecia. Portanto, a resposta a essa questão pode ser obtida, primeiro, na visão mesma de cada movimento. Com efeito, no caso do movimento de moradia, o objetivo principal é ter direito à moradia digna e não se preocupa de buscar cargos no Estado. Segundo, no perfil dos militantes. O militantismo foi o único critério convincente para que o movimento de moradia tenha produzido resultados, pois, o nível acadêmico da maioria e, em particular, dos lideres, era muito baixo (somente 10,9% tem ensino superior concluído enquanto 43% tem ensino médio incompleto)[20] para permitir de ocupar cargos de alto nível no Estado. Daí a importância para que os movimentos tenham no seu seio gentes formadas além do pré-requisito militante (PATERNIANI, TATAGIBA E TRINDADE, 2012). Por fim, é importante lembrar também que, apesar de se convergirem na sociedade civil pela defesa das suas demandas, os movimentos sociais são distintos entre si e cada um usa os repertórios mais apropriados, legítimos e legitimados do momento para defender suas causas. Em outras palavras, cada movimento é um ator coletivo distinto do outro dentro de uma mesma sociedade civil. Cada movimento é sempre identificado a um grupo de pressão sobre o poder, todavia, uma pressão que se exerce geralmente sob a forma exterior (CARRION, 1985, op. cit.).

Considerações finais

O artigo consegue mostrar que, embora seja um grande avanço no âmbito das relações entre Estado e Movimentos Sociais, a estratégia de ocupar cargos no Estado deixa para trás muitos desafios a serem levantados pelos pesquisadores em ciência política e em sociologia política, dentre os quais podemos sublinhar a questão da permanência nos cargos, o perfil dos cargos e dos ocupantes, a formação acadêmica dos militantes, entre outros. A literatura brasileira sobre a interação e intersecção entre Estado e movimentos sociais não permitiu aprofundar esse problema, por isso, o deixamos a uma eventual pesquisa em perspectiva. As questões para tal eventual pesquisa seriam saber se o Estado, sendo consciente da intenção dos movimentos sociais de ocupar cargos nele, não emprega uma dinâmica de cargos pré-fabricados para tornar a presença dos militantes mais figurativa do que ativa, se antes de aceitar qualquer cargo no Estado, os movimentos negociam e põem certas condições.

Campinas, 12/08/2015

BIBLIOGRAFIA

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[1] Em tal circunstancia, podemos falar de uma interpretação simplista dessas relações, nesse sentido, é difícil falar de relação entre Estado e movimentos sociais, pois, não somente, não se cria um canal de comunicação e de intersecção entre os atores, mas também, estamos em presença de atores que se ignoram mutuamente e radicalmente opostos. Ora, não é assim que funciona numa democracia (Ver Basnazak apud Oliveira e Silva, 2011).
[2] À origem os movimentos sociais são sempre vistos como grupos de pressão que conseguem forçar o Estado a abrir mão, ou seja, a ultrapassar as barreiras burocráticas do aparato estatal mudando suas decisões (Ver Carrron, 1985, p. 90-92)
[3] Para ter mais ideias sobre algumas conquistas das lutas dos movimentos sociais, ver Dowbor In Carlos, Oliveira e Romão (2014) (Orgs.), Camila (2013), Abers, Tatagiba e Serafim (2013), Teixeira (2005), Oliveira (1993), Albuquerque (2015), Paterniani, Tatagiba e Trindade (2012).
[4] Camila se refere ao conceito de oportunidades políticas para falar desses impactos (Ver Camila, 2013, p. 104-105)
[5] Segundo Dowbor e Silva e Oliveira, a generalização do conceito de repertório é um problema a ser superado, pois, um repertório obedece ao contexto político no qual ele se insere e ao tipo de Estado-ator em presença. Por exemplo, no âmbito de um Estado autoritário e excludente, é claro que o repertório de protesto seja a única alternativa dos movimentos sociais para pressionar o Estado, enquanto se se trata de um Estado aberto ao debate público num regime democrático, o repertório, dessa vez, pode se tornar, ação institucionalizada, participação institucional, consulta, delegação, lobby etc. (Silva e Oliveira, 2011, p. 89-90; Dowbor, 2014, p. 84).
[6] Nessa zona de intersecção, como enfatizam Meza e Tatagiba, acontece uma interação plural e diversa entre Estado, Movimento, Partido político, Organizações sociais, entre outros. Segundo eles, não se trata de uma zona de influência, mas, daquela onde cada um dos atores conserva sua autonomia. É por isso mesmo que analisar essa zona é muito complexo (Meza e Tatagiba, 2014, op. cit).
[7] Ver Paterniani, Tatagiba e Trindade (2012) para apreciar os repertórios empregados pelo movimento de moradia de Sã Paulo para pressionar o Estado ao dialogo. Um dentre eles é ocupar os prédios vazios e ociosos embora tenha criado muitas controvérsias entre os militantes e na sociedade civil; Ver Albuquerque (2015) para entender os repertórios de interação sócio-política no âmbito do movimento DCA no Rio de Janeiro.
[8]Por exemplo, o sit-in, uma estratégia de manifestação pacífica amplamente utilizada nos anos 1960 pelo movimento de direitos civis nos Estados Unidos, não faria sentido nenhum aos olhos da autoridade local da França do século XVIII, onde a ação coletiva se restringia a pequenas comunidades. (DOWBOR, op. cit., p. 86).
[9] Pois, um dos grandes efeitos dessas mudanças era a diminuição do poder e da autoridade do Estado sobre a sociedade. Isso resulta, por um lado, da complexidade da sociedade, do surgimento de vários atores da sociedade civil cujos papeis se tornaram cada vez mais importantes por outro (Dowbor, 2014, p. 88).          
[10] Dentre os quais há Abers, Serafim, Tatagiba, Evelina, Bulow, Dowbor.
[11] Ver Abers e Von Bulow (2011), Abers, Serafim e Tatagiba (2014), Dagnino (2002) apud Tatagiba.
[12] O estudo de Abers, Tatagiba e Serafim (Ibidem, 2014) abordou muito bem esse aspecto mostrando que, apesar de estarem num governo dito aliado, o do Lula, onde vários militantes conseguem ocupar cargos importantes no Estado, os movimentos não pararam suas lutas, embora os repertórios de interação entre Estado e sociedade tenham transformado em negociação, encontros informais, entre outros. Portanto, a política do conflito sempre colocou o governo do Lula e os movimentos numa situação de negociação e de encontros frequentes, geralmente, fora do quadro oficial e formal para redefinir algumas estratégias e repensar as regras do jogo democrático. Apesar das insatisfações, podemos dizer que, com os movimentos, em particular, o MST cujas relações com o PT são, em grosso modo, uma tradição de longa história e uma política de convivência, o governo Lula conseguiu estabelecer-se como um modelo de interpenetração Estado-Partido-Movimento.
[13] Ver Abers, Serafim e Tatagiba, 2014, p. 332-334.
[14] Dentre os quais podemos sublinhar o Movimento Nacional da Reforma Urbana, o Movimento da Reforma Agrária, o Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra e as lutas dos diferentes setores da sociedade civil para a defesa da segurança pública.
[15] O MST não foi sozinho nessas lutas pela defesa da terra e da aplicação de uma boa política agrária. Outros movimentos, como, por exemplo, o CONTAG (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), que usou como repertório de luta, as marchas, cujo famoso Grito da Terra, retomado pelo MST, participaram também dessa luta.
[16] Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar.
[17] Conselho Nacional de Segurança Alimentar.
[18] As autoras fizeram um excelente trabalho, com estatística relevante, sobre o perfil dos ocupantes dos cargos criados durante as duas gestões do Lula. Passados a serem ocupados por funcionários, sejam eles oriundos de movimentos sociais ou não, são cargos baseados em critérios tais como: nível escolar, filiação partidária, sexo, vínculo associativo, entre outros.
[19] De uma maneira geral, as autoras argumentam que a interação entre Estado e movimento social da era Lula foi marcada por abertura ao dialogo, às discussões e aos debates públicos no âmbito da política de participação institucional. Isso pode ser considerado uma conquista para a construção democrática. Mas, de um ponto de vista mais especifico, três grandes conquistas foram atingidas no âmbito do movimento urbano: A criação dos conselhos municipais de habitação, a aprovação da legislação de planejamento urbano em âmbito federal (o Estatuto da Cidade), e a criação, em 2003, do Ministério das Cidades. No âmbito da segurança pública, em segundo lugar, é o aumento dos vínculos (60%) entre as diferentes organizações que atuam na sociedade. Por fim, no caso do MST, podemos dizer que na era Lula, os movimentos levaram uma política de proximidade muito forte com o Estado (Abers, Serafim e Tatagiba, Ibidem., p. 334-346).
[20] Paterniani, Tatagiba e Trindade, 2012, p. 406.

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